Religioso, mas sem proselitismo
Numa época onde filmes religiosos - seja católico ou espírita - fazem tanto sucesso de bilheteria com linguagem dirigida a seu público específico, chega em boa hora um filme com história bem contada e sem tentar catequisar.
Em A Linguagem do Coração, no final do século XIX a garota cega, surda e muda Marie (Ariana Rivoire) é levada por seu pai Heurtin (Gilles Treton) para ser criada num convento que cuida de meninas surdas. A madre superiora (Brigitte Catillon) se recusa alegando não ter conhecimento pra lidar com um caso como esse. Com isso, a freira Marguerite (Isabelle Carré) - que já possui saúde fragilizada por conta de uma grave doença - se oferece para ajudá-la.
Após meses de tentativas frustradas, a freira descobre uma forma de se comunicar com a menina. Começa aí uma amizade como se fossem mãe e filha que elas levariam para o resto de suas vidas.
Dirigido por Jean-Pierre Améris - que divide roteiro com Philippe Blasband - o filme tem a Igreja Católica como "pano de fundo", mas não cai na armadilha de ser proselitista. A direção é competente, extraindo o melhor dos atores, principalmente da estreante protagonista.
Abordando um tema difícil e delicado, o roteiro conta a difícil jornada de Marie de forma crua, porém delicada, sem ceder ao melodrama. A montagem também é competente, ao ser lenta no momento em que é capaz de incomodar o público - a ponto deste achar impossível a empreitada da freira - e é ágil ao apresentar várias elipses (passagens de tempo) no momento em que a comunicação entre elas começa a se desenvolver e a menina a aprender o nome de cada fruta e objeto.
Na direção, Jean-Pierre também é competente, pois consegue apresentar com muita delicadeza as sensações experimentadas pela menina, como sol, chuva e neve. Em diversos momentos, consegue apresentar o que pretende sem recorrer a diálogos. Isso acontece, por exemplo, no momento em que ela reencontra seus pais - desta vez com aparência e comportamento completamente diferentes - e Margueritte percebe que está "sobrando". Neste momento retira-se do ambiente sem dizer uma palavra. Também é interessante ver como o roteiro e direção abordam a "existência" de Deus e da morte.
Bem escrito, dirigido, interpretado e montado, A Linguagem do Coração é uma bela experiência de cinema dramático que consegue não cair no melodrama e proselitismo religioso. Merece ser visto.