
Órfãos de aceitação, um mal que atinge a sociedade. Seja peculiar!
A fantasia é o alimento da alma, principalmente quando ela é peculiar. Contar uma história envolvente com crianças, adultos e monstros ultrapassa o imaginário da oratória. Tem a ver também com o poder de sedução que uma boa imagem em movimento suscita perante o estilo já consagrado de seu autor. Retornando à direção após o fiasco Grandes Olhos (2014), Tim Burton apresenta nesta temporada O Lar das Crianças Peculiares, adaptação do livro homônimo do autor norte-americano estreante, Ransom Riggs.

"O que te faz diferente pode te transformar num herói". Jacob (Asa Butterfield) é um introspectivo garoto criado por pais distantes que encontra no enigmático avô Abe (Terence Stamp) aquela fantasia de histórias que lhe possibilitam enxergar a realidade sob uma ótica mais sombria, materializada pela figura misteriosa de Miss Peregrine (Eva Green). Achando se tratar de uma fase da adolescência, seus pais (Cris O’ Dowd e Cris Dickens) resolvem procurar uma psicóloga (Allison Janney) para orientá-lo, o que por ironia acaba piorando a situação, ao sugerir ao pai do menino que o leve para o outro lado da ilha, a fim de vivenciar a fantasia das histórias do orfanato relatadas pelo avô.
Ella Purnell (Emma Bloom) e Judi Dench (Miss Avocet) abrilhantam o elenco com interpretações precisas. A primeira desperta em Jake sentimentos sublimes - inclusive a paixão - e o auxilia na descoberta dos segredos da fenda. A segunda - numa breve participação como professora experiente de outra escola (também peculiar), - faz o papel da protetora do orfanato. A presença de mulheres maduras em meio a um grupo de crianças aprendizes não é recurso inédito no cinema, já visto em Mary Poppins (Robet Stevenson, 1964).

Fazendo jus às belas imagens góticas e estilizadas que povoam o cenário do diretor, a fotografia de Bruno Delbonnel aposta numa paleta de cores triste e azulada para retratar o universo de Jake, e ao passar pela fenda da realidade encontra o colorido do orfanato de Miss Peregrine. Aqui somos apresentados a um grupo de crianças peculiares (que me fez lembrar dos mutantes do Professor Xavier), cujos dons são preservados como forma de mantê-las seguras e afastadas dos etéreos, um séquito de “aliens” liderados por Barron (Samuel L. Jackson).

O roteiro de Jane Goldman e Riggs traz referências sutis de obras anteriores de Burton, como Peixe Grande e Suas Histórias Maravilhosas (2003) e ainda imerge o público infanto-juvenil numa experiência onírica do tempo, com belos simbolismos representados por pássaros, corujas, paisagens mortas, humanos sem olhos (abduzidos pelos etéreos) e criaturas "frankensteinizadas” - vejam como Enoch O’ Connor (Finlay MacMillan) ressuscita seres ao implantar coração. Numa determinada cena coloca dois deles numa briga mórbida de round, simulando um espetáculo.
Cumprindo a promessa de entreter, contar uma boa história e resgatar o lado mais puro de seu diretor, O Lar das Crianças Peculiares traz Tim Burton em boa forma cinematográfica, depois de um período sonolento de filmes oscilantes. “Não há lugar como o nosso orfanato!”, afinal, todos nós temos algo peculiar e não comum.