Os últimos dias de Luís XIV (1638-1715), o rei Sol, não foram alegres, iluminados ou ostentatórios. Foram deprimentes. Mas como poderia deixar de ser deprimente a agonia da morte? Principalmente numa época em que a medicina sabia muito pouco, quase nada, sobre o corpo humano e tudo se esvaía sem esperança.
O filme do cineasta catalão Albert Serra, A Morte de Luís XIV, procura reconstruir os momentos finais da vida de um rei que marcou enormemente a história da França, num reinado de 72 anos.
Tudo começa com uma dor na perna, depois de uma caminhada. A partir daí, a febre, a fraqueza, a inapetência e o sono intranquilo, vão nos mostrando a agonia do monarca, cercado por seus serviçais, fiéis seguidores e médicos, que pouco sabiam fazer além das tradicionais sangrias. O quadro evolui para uma gangrena fatal.
Acompanhamos todos esse processo, passo a passo, no leito de morte real. É duro, traz desconforto ao espectador, mas é muito realista. Vale para todo mundo, não só para as figuras reais, ou famosas. Estar cercado de pessoas e cuidados, como o filme mostra, acaba ajudando pouco, porque as agruras da morte têm de ser enfrentadas por cada um consigo mesmo.
A pessoa responde ao desafio da morte com suas características próprias e as das doenças que adquiriu. As dores variam, os cuidados, também. Melhor para quem tem processos rápidos, fulminantes. Não foi o caso de Luís XIV, que sofreu, irremediavelmente, em função dos parcos recursos de seu tempo, mesmo sendo o que teve acesso a tudo o que era possível na época.
O grande ator Jean-Pierre Léaud, que conhecemos desde menino, em função dos filmes de François Truffaut (1932-1984), que ele protagonizou com brilhantismo em várias fases da vida, tem agora a oportunidade de novo grande desempenho no ocaso da vida do rei Sol, aos 77 anos de idade.
Vê-lo sofrer o tempo todo do filme, nesse papel, incomoda. Desejaríamos tanto ao rei, quanto ao ator, que é muito exigido nessa atuação, melhor sorte. Ou, quem sabe, é do espelho da nossa morte que se trata. O cineasta Ingmar Bergman (1918-2007) dizia com todas as letras que tinha muito medo da morte, não exatamente de morrer, mas da agonia que a morte pode trazer. A julgar pelo filme A Morte de Luís XIV, o rei Sol não foi poupado dessa exasperante agonia.
Albert Serra dirigiu e roteirizou com Terry Lounas uma obra detalhista e desconcertante sobre o fim da vida, tirando o espectador da zona de conforto. É muito pesado, mas é um belo trabalho cinematográfico.
Aproveito para lembrar que o filme de Roberto Rossellini (1906-1977) A Tomada do Poder por Luís 14, de 1966, que retrata a ascensão do rei, foi relançado recentemente na coleção da Folha, Grandes Biografias no Cinema, concebida e coordenada pelo crítico Cássio Starling Carlos, o livro-DVD ainda pode ser encontrado nas bancas de jornais.