O ponto de partida do filme O Fantasma da Sicília não poderia ser mais ancorado na realidade. Aborda o sequestro e morte, com requintes de crueldade, do adolescente Giuseppe (Gaetano Fernandez), de 13/14 anos, por ser filho de um membro da máfia siciliana, que se converteu em informante da polícia, fato real ocorrido numa pequena cidade da região, nos anos 1990, que deixou uma comunidade inteira amedrontada e sob o jugo da Cosa Nostra.
A forma como essa história é trabalhada pelos diretores Fabio Grassadonia e Antonio Piazza nos leva ao terreno da fábula, em que a fantasia, a imaginação e o desejo se mesclam de tal maneira aos fatos que tudo se torna indistinguível.
Da mesma forma, o tempo não é o tempo real dos acontecimentos, mas o que habita o psiquismo dos personagens, em especial, o de Luna (Julia Jedlikowska), a adolescente, amiga de Giuseppe e candidata a ser sua namorada, que não se conforma com seu desaparecimento. É por meio dela que vivemos a perplexidade da perda, acoplada à fantasia afetiva, amorosa, do despertar do desejo, e à raiva pela ausência de respostas efetivas por parte das pessoas com quem ela convive, em casa, na escola, na rua.
Na imaginação, contudo, as coisas acontecem, ou poderiam acontecer, se os ditames da realidade não se impusessem, inexoravelmente. A violência do real se opõe à fantasia, seja como desejo de amor e interação, seja como meio de escape e salvação.
O Fantasma da Sicília apresenta um esmero técnico, na construção dos planos e sequências, na colocação da câmera, nos belos enquadramentos, nas locações e nos efeitos que cria, buscando transmitir o clima fantasmagórico e de suspense, que foi o caminho escolhido para refletir sobre uma questão tão dolorosa. O som tem um papel fundamental nisso. Ele é marcante em todas as cenas, trazendo elementos que nos permitem viver emocionalmente a tragédia de Giuseppe e de Luna. A música é parte dessa sonoridade, sem se destacar como tal. E o silêncio acaba sendo muito notado e intenso, quando aparece.
Um bom elenco sustenta essa narrativa convincentemente. O ritmo do filme é lento e a intensidade das emoções, baixa, o que acaba por acentuar a força e o significado do que está sendo mostrado na tela. Um bom trabalho do cinema italiano atual, que continua se ressentindo da comparação com o cinema que a Itália praticou nos anos 1960, 1970, que já foi o melhor do mundo.