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MUDBOUND – Lágrimas Sobre o Mississipi (Mudbound)


Numa época em que negros são ofendidos pela internet, chega aos cinemas um filme que vai fundo na questão e mostra o quanto o ser humano pode envergonhar-se de si mesmo


Em tempos onde vemos, por um lado, o câncer do politicamente correto contaminando tudo e a todos, e por outro lado, a maior nação do mundo com um presidente que promete construir mais um muro para impedir a entrada de estrangeiros, um filme como Mudbound – Lágrimas Sobre o Mississipi chega na hora certa para se discutir temas como racismo, machismo e misoginia.


A trama conta a história de Laura (Carey Mulligan), uma jovem e bonita garota que casa-se com Henry McAllan (Jason Clarke) - o patrão de seu irmão - com o objetivo de sair de casa e acaba indo morar - contra a vontade - numa fazenda no Mississipi. Ao conhecer seu cunhado Jamie (Garrett Hedlund), um jovem sedutor e de bons modos - o oposto de seu marido - surge uma tensão sexual instantânea, mas o rapaz vai lutar na Segunda Guerra Mundial. A fazenda onde passa a viver tem uma família de negros como caseiros, liderada pelo casal Florense Jackson (Mary J. Blige) e Hap Jackson (Rob Morgan), cujo filho mais velho - Ronsell Jackson (Jason Mitchell) - também está na guerra. Logo, alguns membros da família se afeiçoam a eles enquanto outros agem de forma similar ao que os nazistas faziam com os judeus na mesma época.


Escrito pelo roteirista Virgil Williams (da série 24 horas, 2003) junto com a diretora Dee Rees (Pariah, 2011), foi baseado no romance homônimo de Hillary Jordan e está indicado ao Oscar pelo Melhor Roteiro Adaptado, assim como o de Melhor Fotografia, Atriz Coadjuvante e Música Original. O filme foi produzido pelo Netflix e - provavelmente pelas boas chances de premiação no Oscar - optou por lançá-lo primeiro nos cinemas. Pelo menos enquanto a premiação exija que seus concorrentes tenham sido exibidos no cinema, algo que provavelmente irá mudar.


A luxuosa produção possui a força digna de uma jovem diretora (com pouco mais de 40 anos) e negra, onde sente-se o quanto lhe é importante tocar em assuntos tão dolorosos, especialmente a discriminação racial. O filme retrata um momento da humanidade - especificamente a década de 40 - onde negros só podiam sentar-se no fundo do ônibus, não podiam beber água nos mesmos bebedouros que os brancos e nem usar a entrada da frente de comércios. Mais uma mancha na nossa história que envergonha qualquer com pessoa o mínimo de dignidade. Momento esse em que a Ku Klux Klan reinava livremente, torturando e matando negros, como até hoje se faz com animais.

Mudbound – Lágrimas Sobre o Mississipi apresenta a ironia da política internacional e social, onde um país que envia milhares de soldados para lutarem numa guerra que combate a discriminação de judeus permite que - em suas próprias terras - exista um grupo que executa seus cidadãos apenas pela raça que fazem parte. Onde um soldado negro, que dá sua vida para defender a nação, não tem seus direitos básicos de cidadania garantidos.


A diretora consegue extrair o melhor de um ótimo elenco, que está coeso e consegue - logo nas primeiras cenas - trazer o público a seu favor, que instantaneamente embarca na história e pode ter ao menos uma breve noção, da dura vida de Laura e do casal Jackson. Apesar do elenco impecável, talvez o grande destaque seja o ator Jonathan Banks (da aclamada série Breaking Bad). Ele interpreta o sogro de Laura, um velho rabugento, machista e racista, cuja frieza e maldade consegue transmitir apenas com o olhar.


A esmerada fotografia nomeada ao Oscar de Rachel Morrison (Pantera Negra, 2018) - a primeira mulher a ser indicada nesta categoria - é extremamente bem acabada, porém mantem-se no trivial e não tenta nenhuma ousadia. A densidade do tema faz com que seus 134 minutos sejam insuficientes para contar uma história que beira o épico. Por conta disso, o personagem Jamie fica bastante tempo desaparecido da trama - a ponto de nos esquecermos dele - e quando a guerra é retratada, isso sempre acontece de maneira superficial e até dispensável.

Talvez esse tenha sido o erro do Netflix, que poderia ter apostado diretamente numa série. De qualquer forma, as quatro indicações já valeram o investimento do canal.


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