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ANTES QUE TUDO DESAPAREÇA (Sanpo Suru shin'ryakusha)


Alienígenas somos nós

Antes que tudo desapareça, de Kiyoshi Kurosawa, cineasta japonês de 62 anos, é um sci-fi de invasão extraterrestre em que o espectador não deve esperar efeitos especiais, mas um certo mal-estar de reflexões que parece nos levar ao pesadelo dos conceitos e comportamentos humanos da sociedade de massas, tão estranhos e incompatíveis com valores humanísticos quanto a própria invasão dos alienígenas.


Kurosawa – que diga-se de passagem não tem parentesco com o grande Akira Kurosawa (1910-1998) – conduz o roteiro filmando-o sem novidades na manipulação da câmera. São planos médios na sua maioria, sem uso de primeiros planos, dando a sensação de não entrar nos personagens, de manter um mistério sobre a essência das personalidades de humanos e alienígenas. Ambos surgindo diante do nosso olhar como instrumentos, marionetes sob o comando de um Deus ex-machina que salva a humanidade ao final, não depois de muita estranheza e violência.


O gênero é usado para discutir a humanidade, questionando nossos comportamentos como expressão do humano e relativizando-os com a missão de três alienígenas que preparam a invasão da Terra. A temática transcende o entretenimento e nos faz refletir sobre as reais ameaças da humanidade que são mais endógenas à sociedade do que situadas fora dela.

As cenas intercalam a trajetória dos três invasores que usam o corpo de humanos em sua jornada de investida e absorvem, através de um poder mental de abdução, conceitos extraídos da consciência dos personagens terráqueos encontrados no caminho dos protagonistas, antes de se reunirem para desencadear a invasão.


Um dos que tem seu corpo possuído e controlado por uma alienígena é Shinji (Masami Nagasawa), homem que já surge abduzido na primeira cena mas que sabemos através de sua mulher, a ilustradora Narumi (Ryuhei Matsuda), ser um companheiro distante que mal a ouvia. Com sua consciência usurpada, passa a ter comportamento atencioso e cortês causando estranheza e mal estar a ela. A mulher se torna guia do alienígena incorporado em Shinji, que também se transforma a partir da relação da nova consciência com ela.


Os outros dois alienígenas formam uma dupla e interagem com um jornalista (Hiroki Hasegawa), de sentimentos menos nobres que Narumi. A trajetória deles é mais violenta. Perseguidos por um aparato policial disfarçado, agentes públicos e alienígenas se assemelham em várias cenas.


Há uma tomada em que o chefe do aparato de repressão, ferido após uma incursão na perseguição, diz ao alienígena: “Nós somos amigos”. Emblemática fala que afasta o filme de Kurosawa de qualquer maniqueísmo hollywoodiano de monstros e mocinhos. Aqui reside a força do filme, em que os monstros invasores parecem tão humanos quanto os verdadeiros humanos, não só na aparência, mas sobretudo na estranheza de nossas vidas e, também, na oportunidade que ainda reside no amor enquanto valor humano que aparece amordaçado e sufocado, pedindo socorro a algum novo Shinji para libertá-lo.

Depois de assistir ao filme, não tenhamos medo, olhemo-nos no espelho.


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