
A incompletude argelina
O diretor argelino Karim Moussaoui retrata a contemporaneidade da Argélia filmando episódios da vida cotidiana de 3 personagens que se conectam em encontros fortuitos. Assim como o homem moderno se esforça na busca impossível da satisfação interior plena, os personagens funcionam como flâneur na multidão a esbarrar em histórias e aspirações semelhantes do destino sem controle.

Os detalhes episódicos apoiam uma história da vida, que poderia ser de qualquer cidadão do mundo que busca seu bem estar. Cada um encontra a incompreensão e as escolhas que a vida impõe, confrontando-se com a esperança de uma mudança que não chega, não se resolve. Nesse aspecto a tradução literal do título original, Esperando as Andorinhas, seria mais adequada para retratar a pegada poética e reflexiva da montagem. As andorinhas anunciam o retorno da primavera e com ele a expectativa de renovação, e simbolizam a esperança, que todavia resiste em completar-se, seja no aspecto psicológico de cada personagem, ou naquilo que a Argélia envolve e dificulta a vida de seus cidadãos.
Na primeira história os planos panorâmicos nos permitem acompanhar o trânsito de um carro que se move a um ritmo moderado em um bairro de Argel. Nele, Mourad (Mohamed Djouhri) um sexagenário que fez sua vida com negócios imobiliários dirige-se ao encontro de sua ex-esposa Lila. Ele tenta convencer seu filho a continuar seus estudos médicos. No caminho de volta para o convívio da atual companheira, uma francesa procurando estabilizar-se no novo país, o carro sofre uma pane e fortuitamente ele assiste cenas de espancamento de um desconhecido. Não ajuda. Sente medo. Na sequência seu filho sofre acidente de moto. Vai ao hospital. Nada grave. Finalmente em casa, se mostra distante, sem comunicação e intimidade com a mulher. Ela desanimada quer voltar à França.

A primeira conexão: Djalil (Mehdi Ramdani) trabalha com Mourad. O pai de Aisha (Hania Amar) pede à Djalil, por quem ela é secretamente apaixonada, o favor de levá-los para o casamento de sua filha em uma cidade distante. A câmera acompanha o percurso com planos abertos das montanhas e paisagens arenosas da Argélia. O carro se desloca e num road movie as tensões de Aisha com Djalil se desenrolam. O pai com intoxicação alimentar durante a viagem vai parar no hospital e a jornada sofre uma parada inesperada. Chance para Djalil? Ele também ama muito Aisha, mas não é suficiente para mudar a trajetória de um casamento consensual entre famílias amigas. Aisha não escolheu de coração, mas é o destino estabelecido pela cultura do seu povo. Tenta fugir, mas a tradição vence e no retorno para seu destino a segunda conexão do fio da vida: seu motorista ajuda o carro de Dahman dar partida.
Dahman (Hassan Kachach), terceiro personagem central, é médico, trabalha no hospital da cidade e sonha com sucesso social. Seus planos de casamento e ascensão profissional repentinamente estão em perigo diante da memória concreta das conseqüências de um estupro coletivo que assistiu na guerra suja entre guerrilheiros e militares. Ele quer deixar isso para trás, mas a vítima quer seu testemunho para ajudar o filho nascido daquela tragédia. A criança não fala e se expressa apenas por gritos. A princípio ele recusa e depois muda de ideia. Esta é provavelmente a única maneira de ele apagar os fantasmas que o assombram.

As três histórias se revezam para levar-nos a uma viagem de norte a sul da Argélia. Três situações que enfatizam com inteligência fílmica, através das imagens e expressões dos atores, o risco e o equilíbrio tênue que está na "ordem das coisas", a natureza que criamos em oposição à natureza de um viver mais espontâneo e solidário.
Karim Moussaoui faz a escolha de imagens delicadas que constroem um sentido lírico através do uso na montagem de elementos do cinema de Eisenstein. Insere imagens de nuvens, do vento nas árvores, das antenas em conjuntos residenciais, que não pertencem ao acontecimento, mas por aproximação com as outras imagens fáticas dão um sentido reflexivo aos blocos de cenas. É o que André Bazin (famoso crítico da revista Cahiers Du Cinéma) chama de montagem de atrações.
Elementos de cena repetidos e comuns às histórias se fazem presente como signos de uma mensagem implícita. O hospital, os médicos, presentes nas três histórias parecem indicar que não se trata de questões da materialidade, do corpo físico. Os males físicos são resolvidos nos hospitais argelinos, mas permanece os males da alma.
Os movimentos da câmera combinados com a música e a dança dos corpos nos mergulha em uma atmosfera de emoção e reflexão. O final, sem spoiler, traz um novo elo na multidão representando a continuidade da corrente da vida, caminhando em direção ao espectador. Se expressa um ciclo em que as personagens envolvidas numa bolha de drama interno, explodem em nossas consciências, provocando a benevolência comunicativa. No mundo somos todos incompletos e tal filme serve-nos como um suspiro de catarse.