Mais um belíssimo filme nacional
Há muitos anos que o cinema nacional não lançava tantos filmes contundentes, autorais e bem realizados como nas últimas semanas.
Após Aos Teus Olhos (Carolina Jabor), vieram Paraíso Perdido (Monique Gardenberg), Canastra Suja (Caio Sóh) e desta vez Berenice Procura. Curiosamente, os três últimos sob a direção de fotografia de Azul Serra, jovem revelação de nosso cinema.
Sob a direção precisa de Allan Fiterman (Embarque Imediato, 2009), Berenice Procura é baseado no romance homônimo de Luiz Alfredo Garcia-Roza e conta a história de Berenice (Cláudia Abreu), uma taxista casada com o repórter policial Domingos (Eduardo Moscovis), numa relação onde só restaram os momentos em que é usada para a satisfação sexual - única e exclusiva - do marido. É mãe de Tiago (Caio Manhente), um jovem descobrindo sua sexualidade e com uma paixão platônica - na verdade uma projeção - pela transexual Isabelle (Valentina Sampaio), que logo no início do filme é encontrada morta e a taxista acaba por investigar o crime.
Com um roteiro que tem muitos temas importantes para tratar como a homofobia, machismo e exploração sexual, fica difícil num longa-metragem desenvolver todos eles profundamente, mas mesmo assim, o filme dá conta de abordá-los satisfatoriamente. O único deslize está na forma com que a taxista investiga o crime com tamanha facilidade, mas nada que desabone uma obra tão bem realizada.
Outro destaque do filme é o elenco, que conta com estrelas da nossa dramaturgia como Cláudia Abreu, Eduardo Moscovis e Emilio Dantas (Em Nome da Lei, 2016) e trás ainda Leonardo Brício (de novelas como Da Cor do Pecado, 2004) e Guta Ruiz (Bruna Surfistinha, 2011). Moscovis está brilhante, num personagem bruto e visceral - até certo ponto lembrando sua bela interpretação na peça Um Bonde Chamado Desejo (Rafael Gomes). Sua participação mostra que não é de ficar na zona de conforto. Seu personagem é forte, contundente, contraditório e apresenta uma entrega que poucos atores tem. É provavelmente a melhor interpretação de sua carreira.
Talvez o maior mérito do diretor tenha sido conciliar um elenco estelar e tarimbado com atores menos experientes e conhecidos, como as transexuais Carol Marra (A Glória e a Graça, 2017) e a estreante Valentina Sampaio. O jovem Caio Manhente (Detetives do Prédio Azul, 2014) - numa interpretação avassaladora que não deixa se abater ao contracenar com nomes como Cláudia e Moscovis - apresenta uma interpretação madura, segura, portando-se como um veterano em cena. Fiterman extrai outra atuação inspirada da artista Brigitte de Búzios, travesti falecida recentemente que teve seu nome mais conhecido após a exibição do filme Divinas Divas (Leandra Leal, 2017). Até a veterana Vera Holtz (Maresia, 2016) conseguiu a melhor interpretação de sua carreira ao viver a empresária lésbica Greta.
Berenice Procura é um filme forte, corajoso, cujo diretor não se furta em mostrar um nu frontal de Valentina Sampaio, o que também revela toda a entrega da atriz ao personagem. Uma grande fase do cinema brasileiro, que só não está melhor porque, infelizmente, o público não se deu conta disso e as bilheterias não correspondem às expectativas.