12 anos no inferno
Não resta dúvida de que as ditaduras militares são sangrentas em qualquer parte do mundo, ainda que uma ditadura comunista seja pior, como podemos ver nos casos de Cuba e Venezuela. Alguns anos após caírem os regimes militares de países como Chile, Argentina, Brasil e Uruguai, hoje existem vários indícios de que o que houve foi um financiamento soviético para implantar o comunismo nesses países, o que foi contra-atacado - sob o poderoso financiamento norte-americano - de forma enérgica, rígida e violenta, através de golpes militares. Tantas histórias sangrentas são "prato cheio" para o cinema. De documentários a ficções ou mesmo filmes baseados em fatos reais, como é o caso de Uma Noite de 12 Anos.
Escrito e dirigido por Alvaro Brechner (Sr. Kaplan, 2015), conta a história real de três integrantes do Movimento de Nacional Libertação Tupamaros, grupo socialista que lutava contra a ditadura militar uruguaia. Os amigos são presos no ano de 1973, sem absolutamente nenhum direito, desde suas famílias não saberem onde estão, até terem que dormir no chão, sem banho, nem banheiro, sem terem o que comer ou beber. Passam esse inferno durante os 12 anos em que o regime tomou conta do país.
Ao chegarem na prisão, ouvem de um militar: "Já que não podemos matá-los, vamos enlouquecê-los”. Curiosamente, os integrantes Pepe Mujica (Antonio de la Torre), Mauricio (Chino Darín) e Eleuterio (Alfonso Tort) não ficaram loucos, ainda que o primeiro deles - que viria a ser Presidente da República - deu fortes indícios de estar perdendo a lucidez. O que não aconteceu - ou foi tratado - pela psicóloga interpretada de forma brilhante pela atriz e cantora Soledad Villamil (O Segredo dos Seus Olhos, 2010).
Uma história de tantos anos foi sabiamente resumida no filme, que mostra como os presidiários descobriram uma forma de comunicarem-se com batidas na parede até chegarem ao ponto de jogarem partidas de xadrez apenas dessa forma. Também é interessante ver como Mauricio consegue se aproximar dos guardas através de sua habilidade com a escrita. Uma Noite de 12 Anos é poético ao retratar os devaneios e anseios dos personagens em poderem estar com suas famílias, ainda que suas realidades fossem de privação de todos os direitos.
O elenco ainda trás o uruguaio César Troncoso (Faroeste Caboclo, 2013), que sempre participa de produções brasileira e até telenovela fez. Destaque para Mirella Pascual (O Silêncio do Céu, 2016), que apesar de ser um personagem secundário, interpreta a mãe de um dos detentosde forma visceral e emocionante.
É um grande filme, com fotografia e direção de arte impecáveis, uma reconstituição de época assombrosa. Brechner não se deixa seduzir para utilizar-se da violência acontecida e assim fazer exibicionismo ou sensacionalismo. O elenco - inclusive o secundário - está excelente. Talvez o único problema do filme seja com a montagem de Nacho Ruiz Capillas (Escobar - A Traição, 2018), que no terço final torna-se um pouco arrastada e poderia perder uns vinte minutos - de seus 122 - sem maiores complicações. Apesar disso, é um grande filme, cujo final emocionante é capaz de mexer até com uma estátua.