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VICE (idem)


Os enojantes bastidores da política

Vez por outra surge um filme como esse: engajado, contundente, profundo e baseado na realidade. Missão nada fácil, pois há que se conciliar um entretenimento para grandes massas - e de vários países - com muita informação e elementos históricos. Em Vice, novo filme do roteirista, diretor e produtor Adam McKay (A Grande Aposta, 2015), essa façanha é conseguida com louvor.


Vice conta a trajetória de Dick Cheney (Christian Bale), desde sua juventude inconsequente e de bebedeiras, até que - após ser convidado por George W. Bush para o cargo de vice-presidente dos Estados Unidos - torna-se o homem mais poderoso do mundo numa função que até então era meramente decorativa.


Com roteiro denso e diálogos ácidos, o filme ainda pontua momentos divertidos, como alfinetadas em situações da política atual e momentos como o que sobem falsos créditos como dizendo que a história de Cheney terminaria daquela forma se ele assim o quisesse. Vice tem como ponto alto o ótimo desempenho do elenco, como o impagável Sam Rockwell (Poltergeist, 2015), que faz uma interpretação divertidíssima do fanfarrão "Bush filho", Amy Adams (A Chegada, 2016) no papel de Lynne Cheney - mulher do poderoso político americano -, a pessoa que dá a força e estabilidade necessárias para que um homem tão ambicioso conseguisse chegar a este patamar de poder.

É preciso um parágrafo a parte para falar da brilhante atuação de Bale. Cerca de vinte quilos mais gordo, o ator - famoso por sua dedicação e transforações físicas para seus personagens, como no filme O Operário (Brad Anderson, 2005) em que emagreceu 35 quilos - de pouco mais de quarenta anos interpreta um personagem muito mais velho. Além da maquiagem impecável - que inclui até raspar seu cabelo para reproduzir a calvície de Cheney - e do peso extra, o ator consegue algo mais delicado e difícil: ter o comportamento e maneirismos de uma pessoa completamente diferente dele. Sem isso, nenhuma mudança física soaria natural e convincente. Não é à toa que o ator está sempre nas listas de indicados ao Oscar, feito que se repete novamente neste ano.


O filme mostra de forma crua e direta, como o poder é capaz da passar por cima de tudo e de todos, apenas para alcançar mais poder e fortuna. Algo que sempre se suspeitou, é corroborado pelo filme: de que a Guerra ao Iraque nada mais foi do que uma desculpa para que se tomassem poços de petróleo e empresas aliadas do governo americano ganhassem fortunas para reconstruir o país destruído, nem que para isso milhares de pessoas de várias nacionalidades precisassem morrer.


É enojante ver como o vice-presidente - que tinha tanto poder que nenhuma informação chegava ao presidente sem antes passar por ele - coloca a ambição acima de tudo, custe o que custar. Outro mérito do roteiro foi colocar sua desistência de seu maior sonho - o de se tornar presidente dos Estados Unidos - para proteger Mary (Alison Pill), sua filha lésbica, cuja história seria ostensivamente atacada pelos opositores. Essa atitude traz humanidade ao personagem, que deixa de ser maniqueísta e torna-se multidimensional.


Além da indicação ao Oscar de Melhor Ator, Vice teve outras sete indicações ao mais cobiçado prêmio do cinema mundial. Não é filme para grande público, mas é daqueles que não se vê constantemente e precisa - e muito - ser visto. Nem que seja apenas para ver como a política é muito mais suja do que se imagina.

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