Como um gole de Grapette
É bem verdade que quem entra na sala de exibição do cinema para assistir a Minha Fama de Mau já está predisposto a gostar do filme. Afinal, são conhecidos os personagens, suas manias, seus temperamentos, muito de suas histórias e, evidentemente, suas músicas. Via de regra, na condição de fã, o espectador está sedento por descobrir mais da vida de cada um deles.
É assim que esta jornada aos idos de 1960 começa.
De Lui Farias (Lili, a Estrela do Crime, 1988), Minha Fama de Mau conta a história de Erasmo Esteves (Chay Suede), obstinado por ser artista, que passava seus dias praticando pequenos delitos, imitando trejeitos de artistas americanos e sonhando em ser famoso. Entre uma armação e outra e muita confusão, seduzia os brotinhos de sua área. Era o autoproclamado "Rei da Brotolândia"!
Na contramão de outros aspirantes a cantores, Erasmo não tocava nenhum instrumento, e coube a seu amigo, Sebastião "Tim" Maia (Vinícius Alexandre) ensiná-lo. Numa reunião da turma, conhece Roberto Carlos (Gabriel Leone), e se torna seu parceiro.
Em sua saga rumo à fama, arranja emprego numa rádio, onde conhece Carlos Imperial (Bruno de Luca), produtor artístico de quem se "apoderou" do nome. Surgia então Erasmo Carlos, líder da banda de Iê Iê Iê, "The Snakes".
Sucesso total como o "Tremendão", à frente da Jovem Guarda, junto de Roberto Carlos e a Ternurinha Wanderléa (Malu Rodrigues), acumulava seguidos hits e parecia que o céu era o limite!
Ambição, competição e egos exaltados fizeram com que, aos poucos, a relação de Erasmo e Roberto se desfizesse. Ir do céu ao inferno foi uma viagem vertiginosa. Erasmo vê sua carreira minguar e conhece, então, o lado sombrio da fama: vício, depressão, abandono e desesperança.
Somente algo muito grande, verdadeiro e forte poderia salvar sua carreira e, por que não dizer, sua própria vida? A amizade.
O grande mérito de Minha Fama de Mau, mais que narrar fatos - ainda que não siga propriamente o tempo cronológico - é fazer uma reparação histórica: dá o devido protagonismo a Erasmo Carlos, tirando-o da sombra de Roberto.
Sua história, desde os tempos da juventude na Tijuca, causa surpresa ao revelar que o "bom moço" tinha um lado, digamos, não convencional. De origem humilde, com poucos recursos financeiros, Erasmo e sua turma de amigos se valem de delitos menores para poderem colecionar revistas e discos de seus ídolos e bancar ingressos para shows. Nada pesado, claro, mas, ainda assim uma surpresa.
De maneira inesperada, o início do filme tem uma pegada HQ, com ilustrações e grafismos Pop Art, que mais tarde se infere, se baseiam nas ilustrações que Erasmo fazia em sua preciosa caderneta de letras de músicas.
O que causa certa estranheza é a narração de Erasmo em primeira pessoa, também nos primeiros momentos, embora em nada prejudique. O recurso ajuda a ambientar a história e é um atalho para o desenvolvimento da trama.
Destaques para as atuações de Vinícius Alexandre, Gabriel Leone, Chay Suede e Bruno de Luca.
Chay Suede, assim como Gabriel Leone, é um desses atores da nova geração que enchem olhos do espectador. Atores com conteúdo, opinião e grande atuações, apesar da pouca idade. Chay manda bem como Erasmo e o retrata como uma pessoa afável, obstinada, talentosa, gentil e sedutora. Tal qual sempre se ouviu falar do Tremendão. Nada muito contundente, nada brilhante mas, de acordo. Até porque o papel não exigia.
Quanto a Leone, há uma questão a se fazer, algo a se pensar sobre sua atuação como Roberto Carlos. Seu desempenho no papel, em certos momentos, foi "econômico", raso, ou, ao contrário, foi profundo e, portanto fiel ao personagem da vida real? A despeito da inegável estatura de sua obra e de seu conhecido carisma para com o público, assim como fora no filme Tim Maia (2013) - de Mauro Lima, Roberto Carlos é retratado novamente como uma pessoa apática, comedida, distante, fria até.
Por sua vez, Bruno de Luca jogou fora uma oportunidade única de agarrar com unhas e dentes um personagem excepcional, empolgante e polêmico como Carlos Imperial e marcar presença. Em vez disso, de maneira burocrática e certas vezes quase pueril, fez um Imperial caricato e sem verdade. Talvez o ponto fraco do elenco. Não deixa saudades.
Quem não fez o mesmo foi Vinícius Alexandre, que deu um show à parte como Tim Maia. Durante todo o tempo em que está na tela, ele é quem manda e é dele que se quer saber. Rouba para si as cenas de maneira brilhante, fazendo todos de coadjuvantes. Parece que, enquanto está em quadro, o filme é sobre ele. É até possível se esquecer por alguns momentos sobre quem é o filme, e, finda sua participação, fica no ar uma sensação de "quero mais". Dinâmico, sarcástico, irreverente, de humor dúbio e total falta de polidez, tal qual o Tim Maia original. Sensacional.
Minha Fama de Mau é um filme agradável, leve, divertido e dá às novas gerações uma amostra, um gostinho do que foi essa época e essa fase da música brasileira. Aos contemporâneos de Erasmo e companhia, traz de volta imagens e músicas de uma saudosa época, que os marcou para sempre.
Um filme gostoso como um bom gole de Grapette.