Assim é se está dito
Tradições e costumes são, em princípio, essenciais, imprescindíveis e fazem parte de toda sociedade organizada, mas muitas vezes são fatores limitantes da liberdade individual, de expressão e do pensar. Em contrapartida, a juventude traz consigo todo o frescor da vida e seus mais potentes combustíveis são o inconformismo, a revolta e a contestação do status quo.
Sinan (Dogu Demirkol) é um jovem com grandes pretensões que sai de sua cidade natal, na Turquia, para estudar. Formado, volta e passa a fazer oposição e colocar em dúvida seu pai Idris (Murat Cemcir), sua mãe Asuman (Bennu Yildirimlar) e tudo mais que se passa a seu redor. Certo de que tem algo a dizer, escreve um livro e se lança numa jornada por sua publicação, custe o que custar. Pelo caminho enfrenta provações e frustrações, num percurso sem volta, no qual é confrontado com a dura realidade da vida.
É no contexto de confronto e indagação que se situa A Árvore dos Frutos Selvagens. Filme do diretor turco Nuri Bilge Ceylan (Sono de Inverno, 2014), que fala do choque de gerações, religião, ambições pessoais, relações familiares, que coloca o frescor e o questionamento da juventude em contraponto ao que está estabelecido, o que os adultos e os velhos já viveram, sobre costumes regionais, filosofia e religião. É um filme que não é muito fácil de digerir, comercialmente não deve ser um blockbuster, que reproduz e estabelece o papel questionador da juventude, de querer mudar, de inconformismo, de olhar para o que está aí e não concordar, da petulância, que é pertinente à juventude e que prova que, na verdade, é um círculo virtuoso/vicioso, que, na grande maioria das vezes, se impõe.
No seu desenrolar, evidencia que o que está estabelecido não é, necessariamente, porque as pessoas são acomodadas, que elas aceitam simplesmente a vida como é, suas limitações, dificuldades, religião, costumes, mas que mostra que a vida é dura e que nesse mundo sem alívio, as pessoas são vencidas pela rotina, pela necessidade de sobrevivência.
Ceylan, imprime ao filme uma cadência muito lenta, de ritmo fatigante, que aliado à extensa duração de três horas e oito minutos, torna-se enfadonho. Tem nitidamente três terços quanto ao andamento. Não é dividido em atos, mas tempos bem marcados. Um começo que se desenvolve que a certa altura parece sofrer um slow motion, volta a se acelerar, retoma um bom ritmo, mas no terço final torna-se lento e cansativo.
Quanto ao roteiro, existe uma metáfora que talvez pudesse lhe dar um título mais adequado. Seu pai tem uma disputa pessoal com seu avô acerca de um poço de água potável. O idoso é incrédulo quanto a ser possível haver água no local onde seu filho cisma em perfurar. Na verdade, o que está em jogo é também uma guerra de gerações, uma atitude contestadora de seu pai para com seu avô.O poço é apenas uma desculpa para tal disputa. É a prova de que o conflito entre gerações é cíclico e infindável.
Destaca-se um trecho em que o personagem Sinan coloca em xeque os valores do Islã, de maneira ousada, quando confronta coisas do Alcorão. A certa altura, num diálogo com um Imã (líder religioso) durante uma longa caminhada, ele o questiona sobre coisas impostas pela doutrina religiosa, que sempre foram de uma determinada maneira e por que continuar a perpetuá-las e não questioná-las. Confronta o próprio religioso, pois este deixa de ocupar seu lugar como líder religioso na comunidade local e se ocupa apenas de realizar ritos tradicionais como batizados e casamentos, que lhe rendem muito dinheiro. Fala sobre ganância, sobre a suntuosidade dos templos, insinuando que o Imã recebe vantagens financeiras na construção deles, coisas que, segundo o personagem principal, fazem com que se perca a essência dos ensinamentos.
A direção de fotografia usa e abusa da profundidade de campo e do limite da abertura da Íris. Talvez, porque tenha preferido aproveitar a luz natural nas cenas internas ou porque tenha buscado um efeito similar ao tilt-shift (recurso fotográfico no qual se coloca o foco num local específico da imagem) ou ainda por questão de linguagem, sabe-se lá. Não é algo genial, não é extraordinário. É, na verdade, um artifício arriscado na medida em que impõe aos atores o limite da distância focal, reduzindo o espaço cênico. Os atores podem minimamente se aproximar ou se afastar da lente da câmera pois saem de foco. Há muitas cenas em que o primeiro plano está muito desfocado e que o objeto da cena está em segundo ou terceiro plano. Às vezes tem-se a impressão de que, no desenrolar das cenas, o personagem chega a sair do foco, e algumas vezes sai mesmo. É perceptível até para quem não presta atenção a este tipo de detalhe. Pra quem observa, isso incomoda bastante.
É um filme, em princípio, entediante. Porém, se o espectador estiver disposto a embarcar na história, pode dizer algo, fazer refletir, propor discussão ou, no mínimo, ensinar um pouco mais sobre uma outra cultura, outro jeito de viver e de agir. Se, por outro lado, o espectador busca o cinema como entretenimento, diversão, fuga cotidiana, este filme não é interessante.