Muito a aprender
No momento em que países do mundo inteiro abraçaram o campo dos gêneros cinematográficos, o Brasil não ficou para trás e entrou na tendência mundial. Começamos revivendo a comédia e os thrillers policiais e agora já temos uma lista de produções de terror que entram no competitivo campo dominado pelos espanhóis e asiáticos que mostram criatividade e competência a cada produção lançada. O filme Histórias Estranhas - uma coletânea de curtas-metragens - está entre esses que se jogam nessa difícil empreitada.
Como é um filme formado por 8 segmentos temos aqui 8 impressões.
NINGUÉM (Rodrigo Brandão)
Um andarilho esfarrapado caminha em locais isolados. Um exercício de criação de atmosferas em locações muito bem escolhidas. Roteiro inexistente embalado por uma trilha sonora eficiente. Parece mais coisa de faculdade e não uma produção profissional.
A MÃO (Kapel Furrnan)
Um analista ou psiquiatra acaba uma sessão com uma paciente e, quando fica sozinho, demonstra que faz parte de uma espécie de grupo de alienígenas ou seres de outra dimensão que vivem entre nós e precisam de algo que os humanos tem. Parece haver uma tensão entre eles e outras pessoas ou seres que é mostrada em uma cena de interrogatório ou coisa assim. Mas o roteiro deixa a desejar, gera perguntas e não as responde. O efeito é a sensação que falta alguma coisa.
Há uma criação de um visual surrealista com o uso de efeitos práticos que lembram o filme Eles Vivem (John Carpenter, 1988) e a atmosfera dos primeiros filmes de David Lynch. Isso é o mais interessante desta produção e é um detalhe que ficaria muito bem em um filme de maior duração, mas com um roteiro mais eficiente.
INVISÍVEL (Édnei Pedroso)
Este é um dos 3 melhores segmentos da produção. Um rapaz recebe uma gravação de seu pai, um homem que foi invisível a vida toda. Mas literalmente invisível desde criança quando vivia com um pai ignorante e abusivo.
Sua trajetória é contada em linguagem tragicômica e surrealista até o fim de sua vida. Ótima metáfora para os “perdedores” ou pessoas que não se enquadram nos valores atuais que são ignorados por esta multidão viciada em marcas e no hype. O final é visualmente impactante e muito bem realizado. Temos aqui alguém muito promissor que espero entregar outras produções seguindo a mesmo estilo.
MULHER LTDA (Taísa Ennes)
O mais divertido da produção parece uma homenagem ao filme A Hora dos Mortos-Vivos (Re-animator, 1985) de Stuart Gordon. A ideia é muito boa e merece ser desenvolvida para um longa-metragem ou série de terror. Com linguagem divertida e vitoriosa na missão de reviver o estilo dos mistos de terror e comédia dos anos 80, o filme conta a trajetória de dois rapazes que trabalham em um necrotério e decidem reviver os cadáveres das mulheres bonitas com um soro que inventaram. Os resultados são inusitados e muito divertidos com o uso de diversos tipos de linguagens visuais satirizando outros setores da mídia.
SETE MINUTOS PARA A MEIA-NOITE (Ricardo Ghiorzi)
Trancados em um apartamento, um homem e sua mulher grávida discutem sobre o destino do seu filho. A atmosfera é pesada, o resultado da cena é sanguinolento e tem certo impacto. Outro segmento que parece mais um exercício de aluno de faculdade de cinema.
NO TROVÃO, NA CHUVA OU NA TEMPESTADE (Paulo Biscaia Filho)
Aqui temos a recriação da cena do encontro das feiticeiras e Macbeth que é representado por um executivo de terno que oferece um corpo para as 3 tipas. A cena é tosca, as feiticeiras são ridículas e parecem fazer parte de um teatrinho montado em uma escola de segundo grau. A exibição de tripas e sangue não ajuda em nada além de nem conseguir causar nojo. O que se vê nesse segmento é total falta de noção em todos os detalhes. De longe o pior dos 8.
OS ENAMORADOS (Claudio Ellovitch)
Um delírio onde um homem vai consultar uma cartomante que lhe fala sobre uma certa deusa do sexo. O que vem depois lembra o filme Viagem ao Mundo da Alucinação (The Trip, 1967) de Roger Corman. O visual é psicodélico com um uso interessante da tecnologia de Mapping 3D (projeções feitas com imagens geradas para dar uma ilusão de realidade). Mas temos cenas de pesadelo repetitivas que parecem não ter fim e acabam chateando quem está assistindo. O final é previsível e mal encenado.
APÓSTOLOS (Marcos DeBrito)
O filme é fechado com um ótimo segmento onde um estranho assassino procura pessoas que tem nomes de apóstolos. Com visual colorido que lembra os filmes dos anos 80, o filme segue as tentativas de assassinato contra um homem chamado Judas. O assassino tem características peculiares que são uma surpresa para o espectador e seus propósitos são o motivo de interesse do filme. Realizado com humor e maestria por um diretor que sabe lidar com a linguagem do cinema e com a falta de recursos técnicos, este segmento fecha com dignidade o filme.
A impactante e estranhamente bela cena final lembra muito os filmes surrealistas de Alejandro Jodorowsky (A Montanha Sagrada, 1973) e talvez aponte um caminho que pode ser um terror genuinamente latino com ligações com nossa cultura e religião, coisa que os espanhóis fazem muito bem.
E para terminar:
Exibir em excesso tripas, sangue, cenas nojentas, posições esdrúxulas de câmera, efeitos de imagens distorcidas assim como cenas com sustos (no caso desse filme são quase inexistentes) só diz uma coisa: não existe uma boa história a ser contada.