
Overdose de talentos
Poderia dar errado reunir o ótimo diretor e roteirista Neil Jordan (Traídos Pelo Desejo, 1992) e uma verdadeira entidade em forma de atriz - Isabelle Huppert (Elle, 2016) - num mesmo filme? Resposta: é claro que não. Por isso mesmo, o mínimo que poderíamos esperar ver em Obsessão é mesmo um desfile de talentos, e nesse ponto o filme, sem dúvida, não decepciona.

Além de mademoiselle Huppert vivendo uma assustadora e ao mesmo tempo muito divertida psicopata, é também surpreendente o trabalho de composição de personagem apresentado pela jovem Chloe Grace Moretz (500 Dias com Ela, 2009) que mescla a doçura característica de uma carente órfã de mãe a momentos de ironia e fúria impressionantes.
Outra boa surpresa em do filme é personagem vivida pela bela Maika Monroe (Honey Boy, 2019) que, em princípio, parece funcionar apenas como aquele clássico contraponto de roteiro: amiga certinha (protagonista) + amiga louquinha (coadjuvante), mas que acaba crescendo muito na segunda metade da trama, provando ser bem mais do que apenas a "amiga louca e divertida" da protagonista, pra demonstrar bastante talento também, tendo papel fundamental no desfecho da história.

Voltando a falar sobre a divindade que atende pelo nome de Isabelle Huppert, ela simplesmente se diverte ao compor essa - em princípio solitária e inofensiva - senhora "ignorada por sua própria filha", mas que, logo em seguida, revela sua face mais perversa e involuntariamente divertida, capaz de matar e logo em seguida simplesmente sair dançando pela sala de sua casa, como se nada tivesse acontecido.

Quanto ao diretor, seus filmes sempre transitaram entre o suspense e a fantasia, e aqui não é diferente, pois, mesmo com todo o clima pesado que caracteriza toda a trama, há momentos permeados por símbolos da infância que dão até um inacreditável ar pueril a determinadas situações, como por exemplo a figura daquela caixa de brinquedos destinada a todas as novas, digamos assim, "filhas adotivas" da tresloucada personagem vivida por Huppert.
Enfim, Neil Jordan pode até não ter realizado aqui seu mais sensacional filme, afinal, não é mesmo fácil superar (ou mesmo igualar) obras-primas como Traídos Pelo Desejo ou A Companhia dos Lobos (1984), mas é inegável o quanto é prazeroso assistir Obsessão, seja pela inteligente e divertida trama, seja pelo inegável talento de todo o seu espetacular elenco.