Terror “delicinha”
Produzido e escrito por Guillermo del Toro (A Forma da Água, 2017) e dirigido pelo norueguês André Ovredal (O Caçador de Trolls, 2010). Essa informação já basta para esperarmos de Histórias Assustadoras para Contar no Escuro algo de criativo e diferente do que costumamos ver no cinema de Hollywood. E eles entregam um filme de terror leve e cheio de personalidade que aborda todos os clichês típicos do gênero, mas lidando e desenvolvendo de uma forma que foge dos padrões que estamos acostumados.
Somos apresentados a uma pequena cidade do interior dos Estados Unidos na véspera do Halloween no fim da década de 60. As cores em tons quentes e ferruginosas da produção são belíssimas e lembram as ilustrações de Norman Rockwell (um dos mais importantes ilustradores americanos e inspiração constante do visual do cinema). Temos ali o universo típico de filmes de terror, a turminha de adolescentes um tanto outsiders, a gostosa do colégio, os esportistas machões e arrogantes e um rapaz descendente de mexicanos que acabou de chegar à cidade com seu carro e certos segredos. Este último protagoniza cenas de preconceito racial que fazem ligação com o governo americano de hoje.
Os personagens e situações parecem os mesmos, mas temos aí a mão criativa e estrangeira de Guillermo del Toro que deixa sua marca em toda a produção. Não há o típico glamour de Hollywood com todo mundo com aparência de modelos lindos e pele perfeita. Chega ao ponto de ter dois famosos atores que aparecem irreconhecíveis em papéis de coadjuvantes e sem maquiagem em composições de pesado realismo. Um deles foi personagem muito importante em uma monstruosamente famosa série sobre certo químico que se jogou na produção de anfetaminas. Não vou dizer qual é.
A situação é rápida e eficazmente apresentada com os grupos de personagens se arrumando para a noite de Halloween. Os protagonistas - após serem salvos pelo rapaz latino de levarem uma surra dos atletas malvados - resolvem entrar em uma mansão abandonada (um clichê lindamente realizado numa cenografia barroca que enche os olhos) palco de uma tragédia envolvendo uma moça que se tornou uma lenda local. Ali descobrem um livro antigo que tem certas propriedades que desencadeiam o terror entre eles e as pessoas que tomam contato com essa turma. A partir daí a história se desenvolve em blocos de sequências que emulam lendas urbanas americanas e conduzem a um belo clímax e reviravoltas na história.
Tudo muito bem realizado, com destaque para o uso de efeitos práticos ao invés do abuso de efeitos digitais, uso de violência moderada dando importância ao suspense e clima, fotografia belíssima, música eficaz e um charme retrô que fazem desse filme um terror deliciosamente clássico que vai agradar aos fãs de Stephen King e daqueles filmes da década de 80 que muitos querem reviver.
Há um gostinho de Stranger Things (Netflix) em tudo, mais acertos do que erros (falta certo desenvolvimento em umas relações e explicação do comportamento de certos personagens) e um aceno de que vai haver uma continuação. Existe material suficiente para que aconteça isso e vai ser muito bem-vinda outra aventura desses personagens tão cheios de vida ao contrário de muitos que estão por aí.