Terror Florido
Escrito e dirigido por Ari Aster, do elogiadíssimo Hereditário (2018), neste filme que coloca mais um bloco na construção de um conceito que andam chamando de Pós-Terror. Este, segundo o jornalista americano Steve Rose, é um novo subgênero que foge dos clichês, sustos e das imagens explícitas do terror usual para contar histórias onde o que conta é a atmosfera de inquietação em obras de cunho autoral e que lidam com questões mais profundas do que se faz no gênero. Essa designação gerou discussões, principalmente entre os fãs do Terror e conhecedores de cinema que dizem que isso não passa de reciclagem dos filmes autorais do gênero que apareceram na década de 60 e 70. Filmes como A Aldeia dos Amaldiçoados (Wolf Rilla, 1960), Os Inocentes (Jack Clayton, 1961), Repulsa ao Sexo (Roman Polanski, 1965), O Bebê de Rosemary (Roman Polanski,1968) e Inverno de Sangue em Veneza (Nicolas Roeg, 1973) por exemplo. Todos clássicos.
Em Os Inocentes, a governanta interpretada por Debora Kerr (O Rei e Eu, 1956) se angustia diante do belo cenário diante dos seus olhos: um sereno lago rodeado por um jardim inglês, céu azul, pássaros cantando, flores por toda parte, borboletas e crianças brincando. Ela sabe lá no fundo que, por trás daquela paisagem bucólica, existe algo terrível acontecendo. Uma quebra dos padrões clássicos de filmes de terror onde um céu cinzento, escuro e chuvoso paira sobre uma paisagem tristonha.
Ari Aster segue este exemplo e nos apresenta uma história terrível repleta de imagens belíssimas de céu azul e milhões e milhões de flores com personagens loirinhos vestidos de roupas brancas com lindos bordados coloridos. Imagens que parecem sair de uma propaganda melosa de sabão em pó ou produto a base de leite. Uma profusão de cores agradáveis que vão se contrastar com o que acontece depois.
A história começa com uma sequência dramática que vai pesar em todo o filme e, logo depois, vemos um grupo de universitários ingênuos se preparando para passar uns dias em uma comunidade hippie instalada nos cafundós da Suécia. Vão a convite de um amigo que nasceu ali e estão interessados em estudar os costumes desse local onde as pessoas vivem uma utopia rural. Bruta clichê de filme de terror. Quantas vezes já vimos o tal grupo de universitários ou estudantes do segundo grau que são levados a uma situação extrema por seguirem um cara que mal conhecem até um local onde não terão nenhuma ajuda se acontecer algo errado? Milhares de vezes! Na maior parte desses filmes, os sonsos ficam em um local sem sinal de celular, sem estradas, sem carros e totalmente isolados do mundo exterior enquanto um assassino ou monstro faz picadinho de todo mundo.
Mas o diretor começa mas não termina em clichê, ao menos na forma como é contada a história. Roteiro parece não ser o forte dele que já nos apresentou o filme Hereditário, que tem um fiapo de história, mas parece ser um grande filme porque foram usadas todas as ferramentas desse aplicativo chamado cinema. Bombardeia o público com imagens estudadas, bela trilha sonora onipresente, fotografia esmerada, direção de arte meticulosa, efeitos sonoros inteligentes e direção impecável de atores. Tudo feito de forma sutil e constante para causar no espectador a tal sensação de inquietação que parece ser a maior bandeira dos tais filmes do Pós-terror.
Assim ele procede neste Midsommar que parece uma releitura de certo filme famoso dos anos 70 que teve uma refilmagem para lá de ridícula cujo título não deve ser citado para não gerar spoiler. Mesmo se inspirando em uma outra obra, este diretor demonstra ser um verdadeiro esteta que sabe como ninguém lidar com a arte do cinema. Se um dia pegar um roteiro dos bons, vai conseguir fazer uma obra que vai ficar na história.
O filme é um tanto arrastado e longo demais, tem quase duas horas e meia e, às vezes, cansa o espectador por ficar mostrando aqueles hippies nórdicos com cara de bobos em seus rituais do dia-a-dia como se estivéssemos em um documentário direcionado à toda família. Pouco a pouco uma sensação de inquietação e angústia começa a entrar na cabeça do espectador e o clima é formado à medida que certas coisinhas começam a aparecer. Preocupados com seus “dramazinhos” particulares, os universitários não se tocam que vão ter que encarar uma verdade monstruosa escondida atrás de toda aquela beleza.