Documentário conservador
pra uma artista transgressora
No país que mais mata LGBT's no mundo, há que se admirar - ou, no mínimo, respeitar - uma pessoa que assumiu sua homossexualidade na primeira metade do século XX e ainda assim conseguiu ser aceita por diversas camadas da sociedade numa época em que o mal do politicamente correto não existia e travestis eram chamados de transformistas em vez do eufemista "transexual".
O documentário Rogéria - Senhor Astolfo Barroso Pinto conta a história da travesti, de sua infância no Rio de Janeiro até sua morte aos 74 anos por infecção urinária - em setembro de 2017 - após alguns dias hospitalizada.
Com depoimentos de nomes como Jô Soares, Aguinaldo Silva, Betty Farias e seu empresário Alexandro Haddad, o documentário é extremamente tradicional, na linha "cabeças falantes", que é quando pessoas falam sobre o biografado, com uma câmera fixa enquadrando o depoente. Tentando dar um frescor ao formato tão padronizado, o diretor estreante Pedro Gui insere pequenas dramatizações de momentos importantes da artista - quase sempre num tom teatral - ou mesmo canções interpretadas por outra artista caracterizada como Rogéria., provavelmente interpretando cenas que seriam feitas pela biografada se não tivesse falecido em meio às filmagens.
O longa segue o estilo "filme-homenagem", em que todos só estão ali para enfatizar as qualidades da biografada, algo que sabemos que ninguém é 100% puro e bom. Muito parecido com a artista, que se intitulava "a travesti da família brasileira", mas tinha o hábito de se elogiar constantemente.
Este costume parece ter contaminado o diretor, que termina o filme com um depoimento em áudio da travesti elogiando o filme, seu trabalho e talento. Fica a sensação de que Pedro Gui não resistiu à tentação de também se elogiar, porém, como diz o velho ditado: "Elogio próprio não tem valor".
Rogéria - senhor Astolfo Barroso Pinto é apenas mais do mesmo. Não acrescenta em nada o que o público médio já conhece da artista. Infelizmente, não inova nem quebra barreiras e tabus como a biografada.