Podres Poderes
O Escândalo (2019), filme que aborda o caso que provavelmente deflagrou toda a onda de processos e acusações de assédio sexual que varreram, tanto o meio televisivo norte-americano, como também (e principalmente) a indústria de sonhos (e sobretudo frustrações) chamada Hollywood, a partir de meados de 2016.
O diretor Jay Roach (Trumbo, 2016), ao menos em boa parte do filme, acerta no tom que mistura humor e também muita tensão dramática ao retratar a involuntariamente divertida, e ao mesmo tempo repugnante, figura do ex-todo poderoso CEO da Fox News Roger Ailes (John Lithgow), cujo aparentemente inabalável poder desmoronou após a primeira denúncia de assédio sexual feita contra ele pela ex- apresentadora de um importante programa da Fox Gretchen Carlson (Nicole Kidman). A denúncia cai como uma bomba sobre o poderosíssimo império midiático, ou seja, sobre a até então praticamente auto-intitulada "voz do conservadorismo" norte-americano Fox News.
A acusação feita por Carlson - de início um tanto desacreditada por suas próprias colegas de trabalho, visto que ela só foi feita após a demissão da própria apresentadora - ganha peso e credibilidade no momento em que outra ex-colega de emissora, no caso a famosíssima entrevistadora e autêntica "voz da emissora" Megyn Kelly (Charlize Theron) decide também denunciar o patrão Roger Ailes afirmando "também ter sido assediada por ele no início de sua carreira na emissora. Daí por diante, dezenas de outras acusações por parte de ex-funcionárias de Ailes, "pipocam" na mídia internacional. É o "fim" de uma era de impunidade e abuso de poder por parte do velho chefão da emissora.
Merece ainda total destaque a personagem, aparentemente fictícia, Kayla Pospisil, vivida pela bela e talentosíssima Margot Robbie (Eu, Tonya, 2018), que funciona como uma espécie de ponto de respiro em relação ao pesadíssimo tema abordado. A jovem e "pseudo-burra" personagem Kayla confere um pouco de leveza à trama, além de ser realmente impagável a cena em que é convidada a entrar pela primeira vez na sala do todo poderoso Ailes para uma nada convencional conversa em particular.
Talvez o grande mérito de O Escândalo seja mesmo expor as contradições inerentes ao funcionamento da "doce terra da liberdade" (conforme diz seu próprio hino nacional) chamada Estados Unidos da América.
E, sobretudo, quando pensamos na atual América de Donald Trump, claramente apoiado pela tradicional "voz do conservadorismo" norte-americano, ou seja, a Fox, conforme é dito com todas as letras no próprio filme, tais contradições que chegam a ser verdadeiramente paradoxais em determinados contextos, como por exemplo na forma como um país que prega os "valores democráticos" o tempo todo, no entanto não parece nem um pouco preocupado (e sobretudo interessado) em respeitar a soberania alheia.
Uma coisa é fato indiscutível, conforme nos demonstra o filme, apesar dos pesares, até mesmo na horrenda América contemporânea de Trump, ao menos um dos pilares de qualquer regime que -mereça ser chamado de democrático continua a salvo (ao menos por enquanto): a liberdade de expressão.