
Crepúsculo e renascimento de um ícone
A cinebiografia daquela à qual as atuais gerações reconhecem apenas como a eterna garotinha Dorothy de O Mágico de Oz (1939), surpreendente tanto pela grandiosidade em termos de produção, como também pela ótima fluência narrativa, sobretudo se levarmos em conta que trata-se do primeiro trabalho do diretor britânico Rupert Goold.

A fórmula aqui utilizada é a do melodrama clássico com uma nova roupagem, aproximando-se do formato característico dos tradicionais musicais hollywoodianos dos anos 40 e 50 (embora não haja, ao longo de todo o filme, diálogos cantados como acontecia naquele período). Não por acaso, a protagonista Renée Zellweger (Amor e Uma 45, 1994) faturou o Globo de Ouro de Melhor Atriz na categoria Comédia ou Musical deste ano. Embora seja praticamente impossível, por conta do tom melancólico que o longa possui, rotulá-lo como uma comédia, por exemplo.
Aliás, quanto à atuação oferecida pela ultra-experiente Renée Zellweger, não há dúvidas de que ela realmente consegue expressar por meio dos ótimos diálogos escritos para sua personagem, o autêntico misto de carisma, talento, ironia e sobretudo angústia em que Judy Garland se converteu na vida real em sua fase adulta e madura.

E como todo filme precisa eleger seu vilão como motor da trama, aqui temos um realmente de peso: Louis B. Mayer (1884 - 1957), sim, o antigo todo-poderoso da lendária Metro Goldwyn Mayer, magistralmente vivido por Michael Gambon (O Discurso do Rei, 2010).

Temas como exploração e manipulação de um homem adulto em relação a uma criança, no caso a ainda muito jovem Judy Garland, são apresentados de forma clara e sem retoques na figura do patrão todo-poderoso (Mayer), que, simplesmente, destina sua "estrela" pré-adolescente a uma jornada de 12 horas diárias de trabalho e praticamente sem poder comer para que ela não corresse o risco de engordar. Ou seja, o exemplo real da absurda exploração vivida (com o consentimento de seus pais, inclusive) pela pequena Judy Garland demonstra que situações de abuso de poder, assédio moral, etc, tão em voga nesse momento de devassa pela qual passa a indústria cinematográfica e também televisiva norte-americana, não é mesmo algo que possua origens recentes.
Judy Garland: uma história de fama, ascensão, traumas, decadência e tentativas de dar a volta por cima demonstra que nem sempre a estrada que trilhamos é composta por "tijolinhos de ouro", e que o famigerado "não há lugar melhor que o lar" pode ser também uma grande falácia.