
SAUDADES DO ORIGINAL
por Jhuliano Castilho
Seria melhor que Mortal Kombat viesse acompanhado de um joystick, pois o filme se resume a cenas de "fatality" que faltaram no original de 1995. Trazendo diversos furos de roteiro, decisões contestáveis e atuações preguiçosas, a nova adaptação comprova que realmente era melhor não terem realizado este novo filme baseado no game. Com esta adaptação cinematográfica finalmente liberada após décadas, Mortal Kombat 2021 reapresenta personagens icônicos às telas.

O filme se inicia de forma até que bem interessante, lembrando muito a animação Mortal Kombat Legends: Scorpion's Revenge de 2020, que conta a história épica do assassinato da família de Hanzo Hasashi (Hiroyuki Sanada - Scorpion) por Joe Taslim (Sub-Zero). Parece que vai ser um filmão, graças a uma cena muito boa de luta, sangue e efeitos especiais de gelo muito legais, mas, assim como no filme original de 1995, temos Raiden (Tadabonu Asano) que nem se compara ao carisma de Christopher Lander na versão original, preparando um grupo para defender a Terra do maléfico Shang Tsung (Chin Han), onde serão reunidos Liu Kang (Ludi Lin), que na versão original era o protagonista e aqui ressurge do nada sem revelar qualquer coisa a respeito de sua história, com exceção de alguns breves diálogos expositivos, Jax Briggs (Mehcad Brooks) - outro que tenta alçar um arco dramático, mas acaba se resumindo a um personagem raso e sem expressão -, Kano (Josh Lawson), que se torna uma espécie de alívio cômico, fazendo algumas piadas sem graça, sendo um lutador escolhido que mal sabe lutar, nos fazendo pensar: por que ele tem a marca e por que foi convidado ao torneio? E ainda o protagonista Cole Young (Lewis Tan), mais genérico e desnecessário impossível, pois é um personagem que simplesmente não existe no game tentando alçar um arco dramático, mas a verdade é que não fede e nem cheira. Young foi criado excepcionalmente para o longa, porém a falta de aspectos de protagonista não se revela apenas no roteiro, mas também na própria atuação de Lewis Tan, que em vez de se comportar como um autêntico protagonista, se comporta como um personagem terciário. Por isso, ao longo do filme você acaba esquecendo que Young é o protagonista ou até mesmo que ele está no filme, nos fazendo, mais uma vez, nos perguntar por que não utilizaram um dos próprios personagens da vasta galeria de lutadores do autêntico Mortal Kombat.

A tom das atuações é o maior destaque do filme, pelo lado negativo, é claro. Creio que, se pusessem macacos atuando teríamos textos melhor falados e expressões faciais mais convincentes do que as observadas neste elenco formado por dublês de cenas de ação.
O falta de brilho do elenco (e não só em termos de atuação) é evidente no decorrer de todo o longa, colaborando para que ele se arraste num ritmo extremamente lento. Os únicos personagens que parecem entender minimamente seus papéis são Sonya Blade (Jessica McNamee), que até consegue atuar um pouco, mas é humilhada a maior parte do tempo por ser a única que não possui a marca para participar do torneio, criando assim para ela um arco mais interessante do que o dos demais personagens. Porém, ela fica de fora da ação em boa parte do filme. Kano e Scorpion (Hiroyuki Sanada) também apresentam atuações acima da média do filme, podendo com isso deixar o público com aquela sensação de "quero mais" em relação às suas aparições.

Ao que parece, ao realizarem este filme, os produtores pensaram em tudo aquilo que foi pedido na época da realização da versão original de 1995, pois o filme que resultou naquele momento, embora baseado numa franquia de games caracterizada por sangue e vísceras expostas na tela; nada disso existia.
Na nova versão, ao menos, isto há, até certo ponto. Caso você vá assistir ao filme em busca de sangue, terá logo nos primeiros minutos e também no último ato. No entanto, em boa parte do novo Mortal Kombat você verá muita enrolação sem graça e sem ritmo, aguardando ansiosamente pelo último ato, recheado dos "fatalities" que esperávamos ver no filme de 1995. Aqui podemos acompanhar uma carnificina sem igual. Todavia, personagens que poderiam ser melhor explorados dentro desse universo ou mesmo em outros títulos, acabam sendo descartados de maneira duvidosa e pífia. Isso será facilmente observável.
E por falar em questões duvidosas, temos ainda vários aspectos do roteiro que, muitas vezes, sequer se dá ao trabalho de explicar situações de "como o personagem chegou ali" ou de "como fez isso"? É compreensível que a adaptação prefira focar mais no combate, mas são poucas as lutas que parecem realmente interessantes, já que na maioria dos casos a coreografia de luta se encerra em poucos golpes. Portanto, o que deveria ser o material principal (roteiro e lutas) para gerar empatia do público em relação à trama, acaba se perdendo em meio a grandes furos de roteiro, gerando a vontade no espectador de suplicar por um "fatality" para não ter que ver o resto do filme.
Traduzindo essa nova adaptação de Mortal Kombat numa frase, podemos utilizar a de Chicó (Selton Mello) em O Auto da Compadecida (de Ariano Suassuna): "Não sei, só sei que foi assim", já que boa parte das decisões do longa são deveras contestáveis. Além de todas as falhas já citadas, há também um erro ainda maior que jamais poderia acontecer numa adaptação de Mortal Kombat: deixaram de fora a brilhante trilha sonora do filme original. Em resumo, eis um filme de game que deveria ter continuado apenas como game.
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