Liberdade feminina à frente de seu tempo
O que há em comum além da arte, entre predomínio aristocrático, a década de 20, recitais particulares ou na boemia francesa e o primeiro pós Guerra podemos sintetizar na busca de aspirações e sonhos. O drama Marguerite é inspirado na vida de Florence Foster Jenkins, uma cantora norte-americana dos anos 20 que viveu exclusivamente do amor.
Engana-se quem busca na obra dirigida por Xavier Giannoli (Quando Estou Amando, 2006) um romance de arrancar suspiros ou uma vasta biografia. A história desenrola-se em torno do grande amor de Marguerite (Catherine Frot, Os Sabores do Palácio, 2009): o canto. Ela passa toda sua vida acreditando ser uma talentosa soprano quando na realidade é frequentemente enganada por todos que a cercam, inclusive seu esposo vivido por André Marcon (Três Corações, 2014). Após um de seus recitais, o jovem jornalista Lucien Beaumont (Sylvain Dieuaide) aproveita-se da inocência da benfeitora e usufrui de seus bens por promoção social ao realizar seu grande sonho, o de cantar em um teatro repleto de convidados, o que mostra um dos inúmeros momentos cômicos do filme.
É evidente - em diversas cenas - como pequenas mentiras tendem a se tornar grandes infortúnios improváveis de serem desfeitos. De modo brando, passamos a torcer pela protagonista encontrar sua felicidade pessoal e continuar acreditando em seu potencial mesmo que inexistente, pois é isso que a motiva a viver.
A delicadeza na plástica do filme - tal como grandes óperas citadas - e a alusão de Charlie Chaplin, um ícone em alta na época, reforça o colorido do cenário parisiense. Através de contínuos jogos de trapaças e mentiras vividas por Marguerite, podemos perceber que as transformações psicológicas e comportamentais que surgem depois a distanciam da realidade e o mundo da fantasia passa a ser seu novo lugar.
Assim como uma ópera, o filme corre sobre atos dentre os quais há uma metáfora interessante presente em quase todos eles, refere-se aos momentos de dúvida do marido juntamente a ações do fiel mordomo Madelbos (Denis M’ Punga), que vivenciam cenas frente ao cenário de uma estrada onde há uma cruz e uma pedra, que claramente entendemos como reflexão, escolhas e um ponto final em determinado assunto.
Utilizando uma filosofia caricata, porém simples, paira no ar a questão do que é mais precioso: viver no sonho, lutar na vida ou simplesmente viver?