
UM OCEANO DE TRISTEZA
por Antônio de Freitas
Baseado em uma história real, Além do Tempo conta a história de uma tragédia e suas causas que se estendem por mais de três décadas. Logo no início vemos belíssimas e muito eficientes imagens de uma câmera Super 8 que localizam - nos meados dos anos 80 - a família holandesa constituída de Lucas - vivido por Reinout Schoutenvan Aschat (O Sequestro de Heineken, 2011) -, Johanna na pele da atriz Sallie Harmsen (Blade Runner 2049, 2017) e o filho Kai de 5 anos, o simpático ator mirim River Oosterinck estreando no cinema. São pessoas de alto padrão econômico, que lhes proporciona a posse de um barco a vela e viagens por países exóticos.

A ação pula para 35 anos depois no ensaio de uma peça musical dirigida por Lucas - interpretado por Gijs Schouten van Aschat (Autodestruição, 2017) -, que está em torno dos 75 anos e é o pai do ator que interpreta o Lucas mais jovem. O trabalho é interrompido por uma senhora que aparece no palco atrapalhando tudo. Ela é Johanna, Elsie de Brauw (Quicksand, 2021) que, completamente irada, diz a Lucas que ele não tem direito de fazer aquela peça. O clima entre os dois é pesado, apesar de Lucas demonstrar que está feliz em encontrar Johanna. A partir daí o espectador vai saber o motivo de Johanna não querer que aquela peça seja feita e sobre o que ela fala.
A narrativa se divide em 3 tempos: as felizes viagens do casal com o filho e a tragédia que acontece na última, o resultado do fato na vida do casal e o desenvolvimento do reencontro dos dois 35 anos depois. E não é um “spoiler” revelar que o filho Kai desapareceu no mar na última viagem, porque isso é revelado logo no início. A trama gira na apresentação da dolorosa e gradativa destruição do casal que tem reações muito diferentes diante da perda do filho. Esta diferença na forma de lidar com a dor acaba por gerar um choque entre os dois que acaba em separação. E, nas cenas do presente, a trama apresenta o desfecho com a volta de Johanna e a troca de acusações, questionamentos e cobranças entre os dois. Os 35 anos de separação formaram um abismo entre os dois e, através dos “flashbacks”, o público vai descobrir e entender as emoções que levaram a esta situação.

O diretor Theu Boermans (De Prooi, 2013) não poupa ninguém na apresentação da imensa dor que toma conta da vida dos dois em belas e tristes cenas repletas de ótimas atuações do elenco muito bem escolhido. O roteiro inteligente consegue construir uma crescente tensão entre os dois tempos apresentados após a resolução da sequência de cenas que culminaram com a morte da criança (o primeiro tempo). Ambos correm em paralelo até atingir um clímax: a separação do casal no passado e o choque e a solução dos problemas criados por anos de angústia que se transformaram em uma muralha entre os dois.

O mar ou a água acaba se transformando em um personagem onipresente como se fosse ele a materialização da saudade e do sentimento de culpa pela tragédia. Sua imagem inicia e termina esta obra, pois faz parte do cenário da peça que fala justamente da perda do filho. Um modo que Lucas encontrou para exorcizar sua dor. É na noite de estreia da peça que ocorre o desfecho. Isso conduz a um final que até surpreende com uma surpresa e posterior reviravolta.
Um final bonito para um filme feito com sensibilidade e respeito aos personagens do drama real no qual é baseado esse filme. Sem a mínima vergonha de apresentar uma obra repleta de melodrama, o diretor coloca a imagem do oceano no início e no fim, parecendo querer mostrar a imensidão da dor de perder um filho.

COLOQUE 5 FILMES
por Vicente Vianna
Com o advento dos streamings, o público do cinema diminuiu muito e também aumentou a procura por ver histórias serializadas. A pós-pandemia está tirando esse público que cansou de ficar em casa, dando chance de voltar a lotar as salas de cinema, sonho de todo produtor. E o filme brasileiro tem um bom histórico de público em comédias, como O Auto da Compadecida (Guel Arraes, 2000), Minha Mãe é uma Peça - O Filme (André Pellenz, 2013), etc. O grande público brasileiro quer se ver na tela e se divertir. O importante é que o cinema voltou e quer voltar a fazer o dinheiro rodar, o que é muito saudável para a economia brasileira.

Desafio lançado e abraçado pela competente produtora cinematográfica Elisa Tolomelli (Cidade de Deus, 2002) junto com Joaquim Haickel - pai da idéia, produtor e roteirista - que, durante a pandemia em 2021, juntou toda equipe vacinada em sua cidade natal, São Luis do Maranhão, e faz, inteiramente produzido e filmado lá, o filme Tire 5 Cartas (de Diego Freitas). Mas como a trama também se passa no Rio de Janeiro? A solução é simples. Todas as cenas externas são filmadas depois - de drone - na capital carioca e inseridas junto a locações internas (quarto, sala, bar, etc) que podem ser filmadas em qualquer lugar do mundo.
A comédia Tire 5 Cartas traz Lilia Cabral (Maria do Caritó, 2018) como Fátima e Stepan Nercessian (Os Penetras, 2012) como Lindoval, que vivem um casal do Maranhão no Rio de Janeiro e, por causa de uma herança tem que voltar as origens: ir pro Maranhão, conviver com pendengas da família e ainda sofrem uma perseguição de ladrões por causa de uma receptação de jóia roubada caída no colo deles por engano.

O que tem em comum Lilian Cabral e Stepan Nercessian? Ambos são bons atores, trabalharam em novelas da Rede Globo, e no filme estão em personagens caricatos. Ela, numa vigarista desbocada que ilude as pessoas com o Tarô e ele num corpo de Chacrinha incorpora o Sidney Magal para dar show e ganhar alguns trocados para juntar com a aposentadoria ao animar o público pagante. Outra coisa em comum é o sinal no queixo, isso também reforça visualmente que o casal deu química, compramos fácil que são marido e mulher, cúmplices e apaixonados.
O diretor Diego Freitas (Depois do Universo, 2022), que começou trabalhando em sets de filmagem e pós produção - pois adora efeitos especiais para contar uma história - caiu como uma luva no Tire 5 Cartas, que tem CG (computação Gráfica), e como filme foi feito na pandemia, ele optou por mais close ups nas externas pois senão podia pegar alguma pessoa na rua de máscara.
Tire 5 Cartas é uma mistura nos personagens, onde vemos: “Herculano Quintanilha", personagem da novela O Astro (TV Globo, 1977 e 2011); “Vadinho", do filme Dona Flor e seus Dois Maridos (1976 e 2017); e ainda uma dupla de bandidos com elementos dos dois tipos de clown – Branco e Augusto -, onde um é esperto, mas no fundo é ingênuo e o outro é tonto, mas no fundo é sabido. Fórmula que dá certo desde o tempo de Zorro e Sargento Garcia, Abbott e Costello, O Gordo e o Magro, Kiko e Chaves, Didi e Dedé, para citar alguns exemplos.

O filme ainda conta com as participações especiais das influenciadoras digitais Marthy Lemos - que faz muito sucesso na internet com vídeos que atraem milhões de seguidores -, acaba fazendo o papel dela mesma, e Thaynar OG, que já se aventurou também como atriz e apresentadora na TV. E, como tudo que acontece no Maranhão, não podia ficar de fora a homenagem à conterrânea cantora Alcione, e ainda tem uma rápida aparição do também homenageado no personagem Lindoval, o ídolo Sidney Magal.
A fórmula da comédia têm o intuito de fazer o espectador se divertir, porém tem que ser muito bem dosada para não perder a mão e a verossimilhança. Segundo Joaquim Haickel: “esse filme vai fazer você rir e se emocionar com a lição que o importante é estar perto de quem amamos e que podemos amar mais de uma vez na vida”. Mas, a meu ver, o roteiro escrito por 6 pessoas (Joaquim Haickel, Gustavo Pinheiro, Melina Dalboni, Diego Freitas, Giulia Bertolli e Julia Antuerpem) peca pelo excesso de quebra da normalidade em prol da comicidade, aqui uso uma metáfora de uma cena do filme quando a protagonista Fátima anda de salto alto nas ruas de paralelepípedo de São Luís. O filme caminha um pouco assim, com conflitos rapidamente resolvidos e em situações contraditórias.
Devemos lembrar - como disse o autor da idéia, Joaquim -, que ele escreveu uma série e teve que adaptar para um longa. Muitos personagens ficaram de fora e, como toda comédia brasileira com personagens fortes, as continuações são inevitáveis, por isso acredito que vem mais por aí. O cinema e o público brasileiro agradecem.
Atualizado: 15 de set.

FILME DE CANTINHO
por Antônio de Freitas
A Vingança de Jack é uma continuação de Jack Estripador: A História Não Contada (Ripper Untold, 2021) e apresenta um dos personagens principais deste filme como o personagem central da trama, que continua uma tal história não contada sobre o infame assassino que aterrorizou Londres. História esta que apresenta uma informação que se transforma em um - até criativo - “plot twist” (ponto de virada) que nesse segundo filme é o gatilho para a trama e mostrado logo no início. Portanto vai ser difícil falar sobre a trama deste filme sem contar a tal revelação do primeiro.

O jornalista Sebastian Stubb - interpretado por Chris Bell (A Herdeira, 2021) -, após a notoriedade e lucros obtidos com a exploração de manchetes exageradas sobre o famigerado assassino, vive tempos bicudos com a falta de trabalho. Um ano passou depois da interrupção da matança de Jack Estripador e Stubb mora com uma namorada que se prostitui nas ruas de Londres. Sua vida está muito complicada, as dívidas se acumulam e acabou de chegar um aviso de despejo por parte da dona do imóvel. A situação piora no jornal onde faz bicos quando, do seu jeito peculiar, exagera na notícia de um simples desaparecimento. Uma carta chega e nela um homem se apresenta como sendo o verdadeiro Jack Estripador, anuncia que está de volta e ainda dá pistas sobre quem é e onde está sua vítima.
A partir daí, assombrado por suas ações no primeiro filme, Stubb vai se jogar na caça do assassino, ameaçado pelo jornalista concorrente e com a dúvida sobre a autoria da carta. Seria o infame Jack estripador ou apenas um copiador? Qual o motivo de tê-lo contatado? Se apresentando como repórter, ele vai agir como policial e se deixar envolver de novo em um redemoinho de mistérios.

O diretor/roteirista Steve Lawson (Ripper Untold, 2021) deve ser uma pessoa bem peculiar. Escreve, produz e dirige filmes com um orçamento mínimo que fica muito aparente, apesar de dar para notar que ele se esmera nos diálogos, direção de cena e decoração de sets muito pequenos, que não dão nem oportunidade para os atores se mexerem por ali. Então as cenas se resumem em atores meio espremidos em cantinhos de cenário que até estão decorados com certa atenção.

Quase tudo é feito em planos médios e closes que, com uns diálogos até bonzinhos, em cenas longas de muita conversa fiada com discussões sobre a ética na imprensa e a capacidade de um homem assumir seus erros. Está na cara que não tem nem sets suficientes para cenas de ação. Há pouquíssimas cenas externas e algumas imagens da cidade de Londres, que foram retocadas para parecerem serem do final do Século XIX. Pipocam aqui ali para sempre lembrar onde a história se passa. Tudo isso acaba dando a este filme um ar de filme barato de televisão dos anos 70.
Apesar da pobreza de recursos, ele até consegue uns enquadramentos emocional e plasticamente bonitos, que nos faz ficar curiosos quanto ao modo em que o filme foi feito. E até perdoar os objetos que se repetem, além de uma irritante estante moderna (daquelas de montar) que aparece em várias cenas. A impressão que dá é que, se tiver um orçamento maior, este diretor será capaz de entregar um filme de respeito. Este é uma obra que só nos gera essa curiosidade. Apenas isso.