
Traição fiel com um pouco de camaradagem
Uma viagem, um jovem casal britânico, um suspense, um carismático membro do alto escalão da máfia e um assassinato. Atributos para um misterioso thriller fazem de Nosso Fiel Traidor um grande filme de espionagem. Como se não bastasse, ainda temos na trama um esquema de lavagem de dinheiro envolvendo nomes poderosos, nada mais apropriado para situar o atual cenário político de alguns países, em particular, o Brasil.

Baseado no romance de John le Carré – que ficou famoso com suas obras ambientadas na Guerra Fria, trazendo misteriosos personagens e tramas interligadas para o mundo atual -, o longa apresenta Dima (Stellan Skarsgård), um sujeito que decide deixar as sombras do passado no vácuo e partir com a família para a Inglaterra, a fim de construir uma nova pátria afetiva, segura e afastada dos riscos de perseguição, morte e ganância.
O escritor já teve algumas de suas obras adaptadas para o cinema, como o intrigante O Jardineiro Fiel (Fernando Meirelles, 2005) e O Espião que Sabia Demais (Tomas Alfredson, 2011), e mantendo a abordagem precisa e criativa da escrita, o roteiro de Hossein Amini - do ótimo Drive (Nicolas Winding Refn, 2011) - expõe a fragilidade de seus personagens sem recorrer a clichês do gênero. É impressionante como ao longo das quase duas horas de projeção não vemos excessos (ou quase nenhuma cena) de explosões e tiroteios.

A índole dos personagens é dúbia, o que torna a experiência cinematográfica do espectador angustiante. E é pegando gancho no talentoso grupo de atores que a diretora Susanna White (Nanny McPhee e as Lições Mágicas, 2010) explora a narrativa com nomes experientes, trazendo Ewan McGregor (do qual sou fã) como o professor Perry e a bela Naomie Harris (007 Contra Spectre, 2015) como sua mulher Gail.
Eles se tornam o fio condutor do futuro existencial de Dima, e o que seria para ser uma viagem de curtição a dois do casal transforma-se num envolvimento com uma perigosa rede internacional de espionagem de políticos corruptos.

McGregor constrói um homem polido e recatado, em meio a acontecimentos externos do Serviço Secreto Britânico (MI6), envolvendo Dima e sua família. Gail expõe uma discreta crise conjugal e é obrigada a aceitar o desafio do marido em abraçar a causa do novo “amigo”.
A fotografia de Anthony Dod Mantle (Rush - No Limite da Emoção, 2013) mescla ângulos abertos a fechados, com paisagens frias (de longa profundidade de campo), cores levemente saturadas e forte contraste luz e sombra, contribuindo para inserir seus personagens num cenário visualmente misterioso, o que é inteligente para o efeito das paletas na tela.
Com uma narrativa interessante do início ao fim, Nosso Fiel Traidor faz jus a mais uma obra de John le Carré para o cinema, e provoca aquela sensação gostosa de mergulhar fundo no livro original a fim de vasculhar ainda mais a trama.