Uma dramédia vendida como comédia rasgada
Muito se fala sobre a necessidade - ou não - de existir um mercado cinematográfico brasileiro. O país ainda está muito longe deste objetivo, porém as indispensáveis - e polêmicas - leis de incentivo tem mostrado o quanto são necessárias para o amadurecimento do nosso cinema.
Fato é que o ano de 2016 bateu o recorde de lançamentos nacionais, com nada menos de 143 títulos. A quantidade tem como consequência a maior possibilidade de filmes de qualidade e diversidade. Aqui temos um belo exemplo disso. Ainda que tenha alguns problemas, TOC -Transtornada Obsessiva Compulsiva se aventura pelo gênero já consolidado como "dramédia", algo pouco visto em nosso cinema.
Apesar de ser vendido como uma comédia rasgada, um puro "besteirol" - como vários outros recentes e responsáveis pela venda de milhões de ingressos no país - claramente com o objetivo de levar mais pessoas às salas de cinema, o filme vai muito além disso.
Na trama, Kika K. (Tatá Werneck) é uma atriz de muito sucesso, faz vários comerciais, novelas, e namora com o ator Caio Astro (Bruno Gagliasso). Lança um livro de auto-ajuda - que nem conhece seu conteúdo - e está para fazer o papel principal da novela das oito, disputando com a atriz Ingrid Guimarães, que interpreta a si mesma. Vera Holtz interpreta sua assessora Carol e Luís Lobianco faz Felipão, o seu fã mais fanático e assustador.
Com um roteiro simples - assinado por Tatá junto com os diretores estreantes Paulinho Caruso e Teo Poppovic - não tem um grande arco dramático (mudança do personagem, quase uma regra de roteiro) mas consegue transitar com desenvoltura entre o drama e a comédia. O grande trunfo - sem dúvida - é a protagonista, que tem no excelente ator Daniel Furlan seu maior apoio. Gagliasso também está muito bem no papel do ator/galã/compulsivo sexual. Ingrid se mostra corajosa ao interpretar a si mesma de forma tão ácida e pouco simpática. Vera está no mesmo papel de sempre, uma atriz de um personagem só.
Se o roteiro erra em buscar o riso fácil - através de palavrões gratuitos e escatologia - acerta ao fazer piadas com as comédias nacionais, com a cidade de Osasco e com o trocadilho como ator Caio Castro. A montagem de Fernando Stutz e Marcelo Junqueira sabiamente abre o filme com uma cena de ação extremamente bem feita, que já desperta a curiosidade e prende a atenção do público. Algo que estamos aprendendo com as atuais séries americanas. A trilha-sonora de Bruno Bonaventure e Jesus Sanchez é acomodada, utilizando de sucessos como À Sombra da Maldade (Cidade Negra) e Ouro de Tolo (Raul Seixas). essa última é usada como o recurso clichê de indicar com sua letra o que o personagem está sentindo, revelando insegurança dos diretores - e montadores - se as imagens captadas e a interpretação da protagonista sejam suficientes para demonstrar.
Com erros e acertos, o fato de dois cineastas estreantes optarem por um filme que não é totalmente "palatável" ao público médio é animador, e mostra que os grandes incentivos ao nosso cinema estão sendo benéficos, pois cada vez mais se procura novas vertentes de gênero e narrativa para nossas telas.