Fragilidades dos laços de sangue
Travessia estreia com uma carreira expressiva em alguns festivais nacionais. O primeiro longa do diretor baiano João Gabriel venceu a 10ª edição do Fest Aruanda, um dos importantes festivais de audiovisual do país. O longa conquistou os prêmios de Melhor Filme (Prêmio Mystica), Melhor Ator (Chico Diaz) e Melhor Montagem (Lillah Halla e João Gabriel).
Consta no elenco do filme nomes como Caio Castro (A Grande Vitória, 2014), Chico Diaz (Os Matadores, 1997), Camilla Camargo (Carinha de Anjo, Novela do SBT), Cyra Coentro (O Tempo e o Vento, 2013) e Caco Monteiro (Irmã Dulce, 2013).
A história se passa em pontos não turísticos da capital baiana e mostra a relação distante entre pai, Roberto (Chico Diaz) e filho, Júlio (Caio Castro), que desde a morte da matriarca da família praticamente não possuem mais nenhuma aproximação. Uma relação antes pouco íntima e calorosa, fragiliza-se ainda mais quando Júlio resolve ir morar sozinho. Com isso, Roberto se isola e aprofunda-se na bebida, enquanto Júlio começa a vender drogas para ir morar no exterior.
O conflito de gerações pela visão de mundo no clímax da necessidade de agir e se movimentar é o tema desse filme, desenrolando-se à partir da desestruturação de um modelo familiar já frágil. A mãe - como pilar de sustentação de uma instituição modelar - ser a única esperança e ilusão de união para um conflito do se colocar no mundo é algo que ocorre em muitas famílias no nosso país, e dessa questão saem os cidadãos com quem cruzamos nos lugares, sejam eles psicologicamente estáveis ou não. O velho e o novo, a fricção de morais é uma faísca temática em nossa sociedade em constante questão, força e expressividade que poderiam ser melhor exploradas e intensificadas na forma do filme.
Grande parte dos diretores em seus primeiros longas, tendem a experimentar sempre novas linguagens ou renovar percepções com o intuito de propor ao mundo sua idiossincrasia artística, o que é de grande louvor e ousadia, em uma linguagem que tende a se repetir e se apegar em padrões de fácil assimilação e recepção. Os temas sempre são provocações para as formas com que devem ser encarados. Dentre os realizadores, alguns conseguem - ou não - se comunicar de forma clara com o grande público. João Gabriel apresenta um filme com o roteiro não amarrado, no qual o público é quem estipula por conta própria o andamento de certas tramas da construção narrativa.
Apegar-se a atores reconhecidos em grande parte pela televisão para atuarem nos filmes encerra uma problemática pouco aparente para alguns, pois apesar das novelas e filmes serem formatos audiovisuais, possuem uma exigência de interpretação diferentes. E nisso, alguns atores conseguem se sobressair e apresentar algo de relevância expressiva e outros apenas reforçam os estereótipos dos folhetins. Claro que há escolhas do tons de atuação propostas pelo diretor, e este lida com os riscos destas, assim como há atores que não conseguem ir além. A síntese da relação ator e diretor é um ponto que intensificaria o filme se houvesse uma unidade entre as atuações, e não apenas a sobreposição do talentoso Chico Diaz.
Travessia possui seus pontos fortes, com uma fotografia e montagem que dão ritmo a uma proposta ousada de roteiro, em uma poesia aberta à interpretação para o público e não o didatismo com acontecimentos e ações das personagens explicadas. O filme se constrói na reverberação com o espectador, e a proposição desse tipo de experiência em relação a filmes plastificados é um favor para a remodelação crítica e receptiva no cinema brasileiro.