O humor romântico no lado B da sexualidade
Na Madrid contemporânea, plural e colorida de KIKI - os segredos do desejo, o diretor Paco Léon (Dieta Mediterrânea, 2008) descortina - sob as aparências de diferentes modos de vida - uma série de parafilias (padrão de comportamento sexual em que o prazer se origina em estímulos ditos bizarros no senso comum), tratadas com naturalidade através do humor romântico que desnuda sem chocar.
Nessa comédia, refilmagem do original australiano The Little Death (Josh Lawson, 2014), o acerto da escolha do gênero alcança aquilo que na Grécia Antiga já se experimentava. Aristóteles na Poética já prescrevia que o poeta cômico apresenta o homem como ele é e não como deveria ser, isto é, busca uma verossimilhança dos seus vícios sem provocar dor ou destruição da personagem. Léon consegue esse resultado representando cinco tramas em que o fazer amor considerado normal dá espaço às diferentes formas: dacrifilia, elifilia, somnofilia, harpaxofilia, dendrofilia, urofilia, dentre outras. Todas são apresentadas com naturalidade em blocos dramáticos que se sucedem intercalando os esquetes e personagens em conflitos suscitados pelos comportamentos sexuais em suas vidas. A curva dramática (desenvolvimento do personagem) se sustenta de forma clássica e se resolve com um final burocrático, por certo sem criatividade, porém suficiente para dar uma solução unificadora da opção pelas histórias paralelas.
Léon opta por elipses e sugestões nas cenas de sexo o que contribui para a leveza com que o tema é tratado, focando sobre as relações humanas e não propriamente sobre os atos sexuais. Ao lado do humor, isso auxilia em momentos mais polêmicos do filme, embora não elimine possíveis indignações de parte do público mais sensível, em especial na virada romântica da história do casal protagonizado por Luis Bermejo e Mari Sayago em que a fantasia do marido se dá sem o consentimento da mulher.
Merece destaque o elenco feminino com excelente desempenho das atrizes Candela Peña, Alexandra Jiménez, Belén Cuesta, Natalia de Molina, além da já citada Mari Paz Sayago. Ao espectador destaco a curiosidade das atrizes e atores emprestarem seus nomes aos personagens, inclusive o diretor que também atua como Paco. Certamente não é uma coincidência, e sim mais um elemento que reforça a mensagem de tratar o diferente com normalidade.
Com bom roteiro - assinado pelo diretor junto com Fernando Perez (Memória Cubana, 2010) -, elenco e diretor competentes, o filme dificilmente será acusado de monótono. Aliado à escolha de paleta colorida com fotografia clara e luminosa, sem contrastes de claro-escuro, alcança tanto aqueles que querem a diversão do entretenimento quanto outros que buscam uma temática heterodoxa para uma boa conversa após a sessão. Opção para quem deseja se divertir ao mesmo tempo em que aprende sobre o lado B dos comportamentos sexuais.