
Sensibilidade e consciência reflexiva
Biografias ou temáticas sobre artistas - não importa qual a linguagem utilizem para a expressão - são uma das produções mais interessantes, pois trazem já múltiplas camadas do ser humano em sua própria essência, sem que seja algo com a necessidade de ser arquitetado com tanta imaginação em relação à complexidade dessas personagens. O que não quer dizer que imaginar não faça parte da construção e esteja ali para dar a força necessária, pois contar algo acontecido já carrega uma mínima transposição criativa no ponto de vista, quer queira ou não.

Dessas nuances apresentadas vemos o ser humano com os seus dilemas nas relações construídas com outros indivíduos, circunstâncias, fatos e ideologias na cultura ou no mundo, e a sua poética artística em fricção com essas mesmas questões. Trabalhar com arte possibilita a uma pessoa expandir seu conhecimento e sensibilidade, e uma vez isso acontecido, o caminho não tem mais volta, se tenta voltar, não sai ileso.
Afterimage, último filme de Andrzej Wajda (Walesa, 2013), é a síntese da consistência de sua carreira em um testamento consciente e repleto da poesia da vida, da angústia do artista representado e de si mesmo, do que representa. Não há como falar de outro ser sem relacionar-se com ele e as similaridades existentes entre aquele de quem se fala e aquele que fala, pois o ímã de atração e admiração existe e se impõe. Por mais que sejam contraditórios, se completam de alguma maneira nessa negação, a dialética é intrínseca para o movimentar da vida.
Wladyslaw Strzeminski (Boguslaw Linda), foi um dos maiores artistas da vanguarda polonesa. Afterimage é um termo referente à captação de uma imagem pela retina, a reverberação do que ela provoca naquele que vê e o que se sedimenta no indivíduo para virar expressão. O filme fala sobre a vida, obra e poética deste grande pintor e cidadão, conhecedor e batalhador pela expressão humana e artística sem regras alienantes e redutoras.
Strzeminski superou as dificuldades impostas pelas suas deficiências físicas- não possuía um braço e uma perna - e também as consequências sociais impostas pelas autoridades de seu país após a ascensão do regime stalinista.

De maneira magistral, Wajda faz um filme múltiplo e provocador para os tempos atuais: histórico, biográfico, dramático e poético. O dilema de um artista com a política de seu país, com o que acontece no mundo. O seu posicionamento perante os fatos e as consequências dos seus atos. Mostra para os desatentos, com a crítica certeira sobre a ditadura stalinista vulgarizada como comunista, mas que não passou do desvirtuamento de pensamentos marxistas mascarados com práticas duvidosas. E na dúvida a sensatez vem fragilizada pela metade.

A atuação de Boguslaw Linda está firme e visceral. Bronislawa Zamachowska (Sugihara Chiune, 2015) faz o papel de Nika Strzeminski, filha do pintor, e também está rasgante. Tudo o que acontece com ela traz mais força para a narrativa, pois acompanhamos os dois pontos de vista que se cruzam em muitos momentos e dialogam no todo. A força dessa adolescente vem com o mesmo ímpeto da postura de seu pai.
Sem dúvidas, este é um dos melhores filmes do ano e dos últimos tempos em toda a sua sensibilidade e consciência reflexiva. Dá vontade de rever, pois o que se vê inquieta, não basta com o fim.