
Respiro estético que procura um lugar no presente
É muito bom ver quando realizadores do cinema nacional ousam em suas propostas. Isso deixa a recepção inquieta. Desestabiliza o olhar e as convicções. Mostra que as possibilidades trazem em sua raiz o infinito. E precisamos muito disso, com uma cinematografia que pelo mercado tende a se padronizar, pela angústia necessária se fragmenta e provoca.

El Mate pode ser considerado um filme de gênero? É errônea a sua classificação na tentativa de se distanciar de sua real proposta. Filmes sobre assassinos, sequestradores e cães de aluguel tendem a priorizar o olhar da vítima. No caso, aqui, acompanhamos algumas horas que começam às 21h e finalizam às 6h do contraventor.
A madrugada do argentino Armando (Fábio Marcoff) que precisa entregar sua encomenda para receber o que lhe cabe do serviço feito. Seguimos o ponto de vista deste ser com este problema. Mas para a narrativa se desenrolar, nem tudo poderia dar certo. Obstáculos surgem em seu objetivo.

Bruno Kott estreia com um longa em um formato ousado. Acontece em praticamente apenas uma locação e ele é um dos atores. O controle para não se perder e cair na chatice deve ser assertivo e minucioso em seus pontos dramáticos, e o diretor consegue dar conta nesta empreitada, pois a sucessão de acontecimentos nos prende para saber o que vai e pode acontecer. Acumula-se expectativas, como qualquer bom filme, um desafio para a sua resolução.

Todo filme possui um dilema: o que surge de seu clímax, se tiver um. Em grande parte constroem uma trajetória muito mais interessante do que a maneira como finalizam. El Mate vai contra as expectativas? Sim e não. Deixa em aberto algumas possibilidades de interpretação - o que é ótimo - mas ao mesmo tempo falta trazer essa potência em sua resolução. As duas personagens principais se contradizem durante o filme, característica humana e de empatia, mas a firmeza de suas convicções parecem não estar no final. É um momento daqueles quando o surpreendente deixa o serviço quase completo.
O aspecto dramatúrgico é uma questão dentro da máquina. A fotografia e o som exploram para a tensão deste suspense. Tons mais escuros e planos longos contribuem para a dilatação da madrugada definidora do amanhã.
Por ser uma proposta independente tanto em termos de realização - com maior horizontalidade nas funções, quanto orçamentária -, é um respiro estético que procura um lugar no presente. Seja bem-vindo, pois o trágico é uma comédia mascarada para tentar ser séria.