Uma poesia, vulgo Cinema
Dirigido por Cristiano Burlan (Fome, 2016) Antes do Fim estreia no Cine Sesc - na cidade de São Paulo - tendo como protagonistas o ator e ensaísta Jean-Claude Bernadet (O Homem das Multidões, 2014) e a atriz e diretora Helena Ignez (Mulher de Todos, 1969).
Jean (Bernadet) sente-se preso na lógica de longevidade que a indústria farmacêutica o impõe e decide planejar um suicídio consciente. Ele convida Helena (Ignez) para que o suicídio seja a dois. Ela, por sua vez, hesita, sabe que viverá bem inclusive se precisar viver só, mas o ajuda em suas intenções. O silêncio entre eles não revela distância, mas intimidade. São anos de um afeto compartilhado. Juntos, eles prepararão todos os detalhes para o funeral. Ele dança a morte enquanto ela segue ensaiando a vida. Nesse processo, os dois se dão conta de que antes do fim ainda há uma vida inteira.
O filme trata da cumplicidade, de apoiar o outro em suas decisões, sem tentar interferir em suas idéias ou crenças, aceitar os limites do outro, saber ouvir o que se tem a dizer, mesmo que você não concorde, para que o outro possa lhe ouvir também. Dividir o espaço sem romper seus limites, trocar experiência e não competir entre si. O elenco imprime com maestria e sutileza essa cumplicidade.
O diretor apresenta uma obra em PB (preto e branco), a estética da cor reserva a essência do significado, priorizando o conceito poético, convidando o espectador a sair de sua zona de conforto. Os tons de cinza trazem mais reflexões e é um dos muitos acertos entre direção e dramaturgia. Falando nisso, os diálogos são praticamente poemas recitados, uma dança verbal no qual cada palavra é um movimento digno de Kazuo Ohno (1906 - 2010), que foi um dançarino e coreógrafo japonês, considerado um mestre do Teatro Butô, arte que mistura dança e artes dramáticas.
Se a película não estivesse em português, se o cenário não fosse a capital de São Paulo, esse longa-metragem poderia ser facilmente confundido com uma fita do cinema Iraniano. Um filme que merece ser visto muitas vezes, por causar tanto bem-estar e relaxamento que nos momentos de silêncio damos aquela "pescada" gostosa que antecede o sono tranquilo.