Mulheres na Direção, Câmera, Ação
Chega de Fiu Fiu, das diretoras estreantes Amanda Kamanchek e Fernanda Frazão, é um documentário que apresenta relatos de assédio às mulheres no espaço público das cidades brasileiras. Resultado de um financiamento coletivo que trouxe para as telas o projeto homônimo lançado nas redes sociais em 2013 pela ONG Olga, a iniciativa visa combater os constrangimentos e violências sofridas pelas mulheres nas ruas, praças e lugares públicos, assédios que tem tornando o simples ato de caminhar desacompanhadas uma fonte de preocupações.
O documentário é expositivo, narrando através dos depoimentos de três personagens em São Paulo, Salvador e Brasília, as dificuldades que uma mulher enfrenta para exercer seu direito natural de sair com a roupa que deseja, andar livremente e expressar-se com seu corpo. Os relatos vão desde o gracejo machista até casos de toque e violência física. As cenas são ambientadas nos respectivos espaços de convívio e passagem das protagonistas e logo na abertura o plano geral com tomadas aéreas da urbe, deixa claro ao espectador que o cenário principal será a cidade.
Intercalando as três histórias, a montagem fílmica também insere planos que trazem entrevistas com intelectuais feministas sobre a luta contra a cultura machista, imagens com notícias da imprensa que ilustram o ambiente público opressor sobre a mulher e, também, uma personagem feminina oculta. De trás da câmera, ela pergunta aos homens que a olham da rua de forma constrangedora. “Por que você está me olhando?”. “Você falou comigo?”. Alguns sem graça, outros, sem nenhuma vergonha, respondem invariavelmente como que seguindo o roteiro machista: “Você é bonita “. Tais planos são curtos, os rostos masculinos não são mostrados e suas vozes também não são audíveis, fazendo a cena do assédio perder força.
As diretoras não imprimem um tom agressivo ou de beligerância aos homens, entretanto transparece que o excesso de cuidado em não demonizar o masculino faz com que o filme perca a oportunidade de servir de documento vivo do que acontece no mundo, principal razão do filme de não ficção. Planos emblemáticos que ilustram essa opção trazem um grupo de homens debatendo sobre as situações de assédio. Não sabemos quem são eles, nomes, origens, apenas vemos um mediador que pretende provocar o debate, cuja discussão aparece sem vitalidade, artificial. Não convence que aquele grupo possa representar o pensamento ou cultura machista. Perde-se a oportunidade de revelar, desnudar. Claramente o roteiro escolhe não chocar.
A força do documentário está no exercício do lugar de fala pelas personagens. Uma é mulher branca de classe média, outra negra com corpo fora dos padrões da beleza convencional e a terceira, mulher transgênero e negra. Todas com uma rotina de assédios sofridos, reforçado e adjetivado por questões étnicas e éticas. Não há distinção. Sendo mulher será objetivada nas ruas. A passagem em que Rosa Luz, a transgênero, relata sua transformação, é uma das melhores do filme e ilustra muito bem esse carma feminino em nossa sociedade. Quando era menino gay podia sair com liberdade. Era gay, mas desfrutava das vantagens do universo masculino. Agora mulher transgênero, basta colocar o pé na rua e vira alvo. Um filme comportado para uma tragédia social tão profunda.