Engraçado, divertido, popular, sem ser raso
O cinema brasileiro sempre sofreu da dificuldade de fazer filmes de apelo popular e que não sejam muito rasos e descartáveis. No intuito lançar trabalhos que se comuniquem com o público, a Damasco Filmes lança sua produção mais recente: Eu sou mais eu.
Na trama, Camila Mendes (Kéfera Buchmann) teve uma adolescência traumática, sofrendo bullying de toda a escola - principalmente da arqui-inimiga Drica (Giovanna Lancellotti) -, apoiada apenas por seu amigo Cabeça (João Côrtes). O tempo passa, ela dá um jeito o visual e torna-se uma cantora pop rica e famosa: Camilla. Uma espécie de Anitta da ficção.
A fama e dinheiro lhe tornam uma pessoa arrogante e solitária. E por intervenção sobrenatural volta a 1994 - com consciência e mentalidade atual - e é obrigada a viver tudo novamente.
É claro que não se trata de uma premissa totalmente nova, e diversos momentos trazem lembranças de filmes que já vimos, mas isso não diminui o prazer de acompanhar esta história divertida e que toca num assunto tão importante - e em voga atualmente - que é o bullying. Ainda mais em tempos que a maior referência no assunto é a série dramática 13th Reasons Why (Netflix).
Quarto filme com participação de Kéfera, obviamente teve seu nome cotado por sua incrível visibilidade na internet, mas isso acabou contribuindo indiretamente para o resultado do filme, uma vez que a atriz foi vítima de bullying na sua vida pessoal - bem como o ator João Côrtes - e isso possibilitou um melhor desempenho na interpretação, gerando um longa mais interessante. Ainda que tenha alguns momentos em que a protagonista deixa o comportamento adolescente de lado, ela consegue uma boa atuação - talvez a melhor de sua carreira até aqui -, com grande ajuda da maquiagem e figurino.
O roteiro do experiente L. G. Bayão (O Doutrinador, 2018) e Angelica Lopes (Uma loucura de mulher, 2016) leva nosso cinema um passo além na questão popularidade x densidade. Apesar e ter como pano de fundo um assunto tão pesado e doloroso, o roteiro de Eu sou mais eu sabiamente brinca com objetos que faziam muito sucesso no início dos nos 2000, como a iogurteira caseira e aqueles aparelhos que davam choques na barriga prometendo "um corpo esculpido em academia". Também alcança vários momentos engraçados e descontraídos ao apresentar músicas que fizeram enorme sucesso até o ano de 2004 de artistas como Raimundos, Mamonas Assassinas, Pitty, etc.
A trama esbarra em detalhes como o personagem Cabeça ser um jovem muito ligado à música experimental e adorar ouvir e dançar o sucesso Ragatanga (Banda Rouge) e um personagem sobrenatural que - como um Deus Ex-Machina - surge do nada para mudar a direção da história. Mas estes são detalhes que não devem ser levados tão a sério quando a proposta é divertir.
Recentemente, tivemos nos cinemas a exibição do filme Chocante (Johnny Araújo e Gustavo Bonafé, 2017) que brincava com uma banda que decidia retomar a carreira de uma boy band dos anos 80. Agora Eu sou mais eu, onde a personagem volta ao início dos anos 2000. Ambos filmes bem escritos, muito bem dirigidos e com forte apelo popular.
É sempre muito importante que haja espaço para todo tipo de filme no país, e quando eles conseguem dar um passo à diante, seja na temática ou na forma que atingem o público, é sempre benéfico. É muito bom ver que o cinema brasileiro cada vez mais sai da "mesmice", motivo pelo qual é constantemente criticado por pessoas que não o acompanham nem de longe.