Diversão pura
Criado no final dos anos 30, o personagem Shazam é, junto com o Super Homem, o mais velho dos personagens que andam, aliás, voam nas telas do cinema. Produto de uma concorrente da DC Comics, chegou a ser motivo de processo de plágio impetrado pelos criadores do homem de aço. A briga acabou quando a gigante dos quadrinhos comprou a editora menor e se apoderou do personagem para investir pouco em sua carreira e jogá-lo na geladeira até os anos 70, quando ressurgiu em um seriado um tanto ruinzinho batizado com o nome atual (houve 3 mudanças de nome).
Assim como seu colega de azul e vermelho, Shazam sofreu com a ação do tempo e parecia não ter chances para ser aceito por um público que havia se modificado. Super Homem teve vários upgrades, começou com uma explosão de sucesso - no final dos anos 70 - no cinema com dois grandes filmes seguidos de um terceiro mediano e um quarto que virou motivo de piada e entrou para a história como uma verdadeira bomba de ruindade. Seguiu nas histórias em quadrinhos, em um famoso seriado de TV dos anos 90 e despontou em grande estilo no cinema em 2006 sem o estrondo dos anos 70. Mas sempre foi seguido pela desconfiança de que ele é um personagem datado, cujo conceito não se adequa mais aos novos tempos.
E o que aconteceu com seu “primo pobre”? Shazam reapareceu em um seriado nos anos 70 sem muito sucesso e um desenho animado em 2014 com resultado igual. Parecia precisar de uma reforma geral para se adaptar a uma época em que adolescentes mandam “nudes” uns para os outros através de aplicativos de celulares e poderia ser chamado de ingênuo, maniqueísta e brega se fosse lançado seguindo seu conceito original.
Mas os roteiristas e o diretor deste filme não se importaram com isso e abraçaram a breguice, a ingenuidade, a comédia desbragada e a sátira ao gênero para criar um filme cheio de ação e muito engraçado. Não apostam em uma diversão vazia, pois conseguem falar sobre os dramas típicos de adolescentes do mundo todo. E estes irão se identificar com e adorar a trajetória de Billy Batson (Asher Angel) que se perdeu da mãe quando tinha 5 anos e, depois de 9 anos, continua à procura dela trocando constantemente de famílias adotivas. Sua história vai mudar quando é escolhido por um mago para ser transformado no novo paladino da justiça, Shazam (Zachary Levi). A partir daí convivemos com o adolescente que se transforma em um adulto com super poderes quando profere a palavra mágica.
A química entre os dois atores é perfeita e temos a sensação que seria impossível achar pessoas melhores para estes personagens. Aliás, uma das forças deste filme está na perfeita escolha dos atores e atrizes. Um exemplo é a família adotiva de Billy que é composta de crianças que dá vontade de adotar, especialmente Darla (Faithe Herman) e Freddy (Jack Darlan Grazer) que roubam as cenas em que aparecem. No outro lado está o Doutor Thaddeus Sivana (Mark Strong) que tem a presença pesada de um vilão de 007 e atravessa o filme todo com uma cara de pedra e sem objetivos claros, ele é apenas malvado e quer despejar no mundo a sua raiva. Vai ser chamado de personagem unidimensional e, com certeza, ele é. O homem é um clichê ambulante. Puro maniqueísmo, a luta do bem contra o mal.
O personagem Elijah Price (Samuel Jackson) expõe uma forma de pensar que define muito bem o universo dos super heróis. Para cada um deles deve haver um super vilão que é o exato oposto, surgindo assim um equilíbrio perfeito.
Os roteiristas de SHAZAM! Levaram este conceito ao pé da letra e criaram uma dupla de protagonista e antagonista que são verdadeiras antíteses um do outro. Ambos tem traumas iguais na infância (aquele velho clichê), se sentem rejeitados e acabam escolhendo caminhos opostos para lidar com isso. Este conceito direciona o filme todo e nos mínimos detalhes. Isto pode ser visto até no objeto no qual se apegam, uma esfera, e na família substituta dotada de 7 elementos.
Tudo parece ser uma sopa de ideias velhas sendo usadas pela enésima vez. Mas, neste filme, a pegada é diferente. Olham para isso tudo com os olhos de um adolescente que não perde nenhum momento para fazer graça em cima. Durante o filme existe uma enxurrada de piadas sobre os clichês do gênero - a do uniforme é memorável - além de deliciosas menções à cultura pop que vão divertir muito aqueles que deixaram a adolescência há muitos anos.
Há uma cena que recria um momento impactante de Superman - o filme (Richard Donner, 1978) que é de chorar de rir e, talvez, só vai ser reconhecida por quem passou dos 40 anos.
Sim! Os mais velhos podem se divertir e muito com SHAZAM!, basta deixar o azedume de adulto em casa para se entregar a este filme que é diversão pura.