Cinema + Miséria + Memória
Remanescente de um longínquo período em que e elite paulistana ia ao cinema de fraque e cartola e, portanto, antigo símbolo da opulência que um dia representaram as antigas - e gigantescas - salas de cinema de rua paulistanas, hoje, no entanto, longe de seu passado de glórias e já há muito tendo deixado de funcionar como um cinema propriamente dito, o atual Cine Marrocos - localizado no centro velho da capital - desde 2013 deu lugar a uma enorme ocupação por parte de cidadãos sem teto, produto da exclusão social e especulação imobiliária, já há muito tempo praticadas por nosso poder público.
Dirigido por Ricardo Calil (Eu Sou Carlos Imperial, 2015), o documentário Cine Marrocos, sem dúvida, promete ser um dos grandes destaques da nova edição do já tradicional festival É Tudo Verdade 2019.
Ao contrário do que seria de se esperar, o diretor não optou por apenas fazer um retrato triste deste cenário e assim explorar a miséria alheia, a pretexto de estar fazendo um "filme denúncia". O que vemos ao longo dos compactos 76 minutos de Cine Marrocos é na verdade, um tributo ao cinema mostrando, aliás, como há, sem dúvida, entre os ocupantes do colossal espaço ocupado pelo velho - e ainda majestoso - cinema, gente interessada em preservar sua memória, e além disso, promover atividades culturais, como por exemplo, a reprodução de cenas clássicas do cinema, presentes no velho acervo de películas, por parte de atores amadores.
Em resumo, Cine Marrocos promove um belo misto de resgate da memória de um passado distante do que um dia representaram os majestosos cinemas de rua paulistanos e, em contrapartida, um importante documento de denúncia social, mas sem nunca cair na opção fácil de apenas explorar a miséria alheia.