Capitalismo no Agreste
O festival de documentários É Tudo Verdade 2019, como sempre, traz filmes interessantes, dando espaço a temas pouco explorados pelo cinema. Uma das surpresas deste ano, é Estou me guardando para quando o carnaval chegar, dirigido pelo cineasta Marcelo Gomes (Joaquim, 2017). Ressalte-se que a obra foi escolhida para a Mostra Panorama, a segunda mais importante do Festival de Berlim, ocorrida em fevereiro do ano corrente.
O personagem principal da película, é nada menos que o próprio cineasta, que já de início explica que na infância fazia viagens com seu pai, quando passavam por Toritama, cidade pequena, calma, do agreste de Pernambuco, onde nada acontecia.
Este, com sua câmera se aproxima dos habitantes fazendo perguntas sobre suas vidas. Ele se coloca em cena, tanto na imagem quanto no som, chegando a falar de sua percepção, bem como de sentimentos que lhe são provocados pela cidade.
Ocorre que após 40 anos de distanciamento do local, Gomes constata que houve uma grande mudança no modo de vida. A expectativa era encontrar a cidade de suas memórias de infância, só que agora o local é a capital da fabricação de jeans em Pernambuco. Vinte por cento da produção nacional é produzida ali. Tudo na cidade gira em torno do jeans. Há pessoas de outros locais que para lá foram a fim de trabalhar.
A pequena cidade rural já não existe mais, todos trocaram suas ocupações anteriores pela fabricação caseira de jeans. A população trabalha por volta de 16 horas por dia sem se queixar, inclusive domingo, pois vê na situação oportunidade de maior ganho e por esta razão há um sentimento geral de orgulho por cada um ter seu pequeno negócio próprio e ter renda muito maior do que antes da mudança.
São pessoas sem educação formal, antes miseráveis, que obtiveram melhor qualidade de vida com este trabalho. Observa-se que o povo não tem consciência de que são auto escravos, e preocupam-se apenas em produzir mais para obter maior renda.
O diretor, filma as máquinas de costura em funcionamento, as mãos manejando os tecidos, as calças sendo desfiadas e bordadas, os vendedores negociando preços. As cenas tornam-se repetitivas, tendo por objetivo mostrar a rotina dos moradores.
Mas quando o Carnaval se aproxima, o povo se transforma. Os moradores colocam o que tiverem à venda para ter dinheiro para passar 8 dias na praia de Maragogipe, único momento de lazer dentre os 365 dias por ano. Então todos saem de Toritama, para depois retornarem à mesma rotina.