Uma rave para Jesus
Agradável surpresa esse novo filme de Gabriel Mascaro, diretor também do já "clássico" Boi Neon (2015). Bem superior, aliás, em termos de roteiro, ao seu tão incensado longa anterior.
Divino Amor retrata basicamente uma espécie de comunidade ou seita religiosa atípica - muito claramente inspirada nas seitas evangélicas neo-pentecostais - embora fictícia, é preciso lembrar. Não fosse pelo fato de eu ter a oportunidade de acompanhar a coletiva de imprensa realizada logo após a sessão de pré-lançamento do filme em São Paulo, seria levado a crer que o diretor/corroteirista estava satirizando justamente essa nova vertente das seitas evangélicas, visto que o filme nos apresenta a protagonista vivida por Dira Paes (Amarelo Manga, 2002) em situações como uma espécie de "rave para Jesus" e também no inegavelmente hilário "Drive Thru da fé", durante a cena em que a personagem entra com seu carro num pequeno compartimento - assim como se fosse pedir um lanche -, mas na verdade o faz pra conversar com um pastor, sem nem mesmo ter que sair do carro.
Porém, durante a coletiva, Mascaro tratou de logo refutar tal hipótese minha, afirmando que "jamais houve a intenção de satirizar ou mesmo criticar os evangélicos em 'Divino Amor', pois a intenção do filme era apenas a de retratar de forma quase documental a forma como se apresentam e como se organizam as novas seitas ou comunidades evangélicas no Brasil contemporâneo".
Do ponto de vista técnico, Divino Amor é relativamente ousado em termos narrativos, pois sua trama nem sempre se desenvolve de forma 100% linear. Além disso, o trabalho de direção de arte é modesto, mas muito competente, construindo uma estética até mesmo um tanto futurista no que se refere ao universo da seita que dá nome ao filme, caracterizado por cores fortes e sempre permeado por uma luz neon que, aliás, parece já ter virado a marca registrada do diretor.
É também inegável o caráter claramente materialista dos frequentadores da referida seita, pois, tomando como base o casal de protagonistas vividos por Dira e Júlio Machado (Joaquim, 2017), se vê a importância que bens de consumo - desde um carro até uma inusitada "máquina de luz fertilizante" - têm no dia a dia deles.
Portanto, no fim das contas, não sei até que ponto o argumento de Mascaro no sentido de "não estar satirizando os evangélicos" me convenceu. De qualquer modo, o que realmente importa em Divino Amor é a forma inteligente e ousada (há detalhes que não posso citar pra não estragar a surpresa) com que seu roteiro é conduzido.
Ponto pra Mascaro que dessa vez - ao contrário do que ocorre em Boi Neon - cumpre aquilo que promete, não se resumindo apenas a um experimento estético.