O MUNDO SOB O OLHAR DE UM GAROTO
por Ricardo Corsetti
"É, realmente Raquel Welch é um belo programa educacional". Frase extraída do belo drama de época, dirigido pelo - hoje de volta à grande fase de sua carreira - Kenneth Branagh (Morte no Nilo, 2022).
A trama, que basicamente gira em torno do cotidiano do garotinho vivido pelo ótimo estreante em longa-metragem Judie Hill, combina tanto questões próprias ao universo infantil - e os inevitáveis ritos de passagem - e iniciação à vida no mundo dos adultos, quanto a dura realidade de um povo marcada pela guerra e por conflitos políticos de matriz religiosa, entre católicos e protestantes na capital norte-irlandesa, Belfast, no início dos anos 60.
De forte caráter autobiográfico, visto que o ator/diretor Kenneth Branagh de fato nasceu e passou toda a sua infância e adolescência em Belfast, a trama é, porém, conduzida com muita sensibilidade e leveza. Embora, não esquecendo a urgência da linguagem semi documental em seus minutos iniciais, com uma câmera nervosa, capaz de transmitir toda a intensidade e tensão vividas pelo garotinho e, sobretudo, por sua família, em meio àquele cotidiano de permanente tensão gerada pela inevitável consciência de que a guerra entre pessoas (vizinhos) que até outro dia se tratavam como irmãos, por conta da questão religiosa sobretudo, está por vir a qualquer momento.
Filme realizado com primor técnico: belíssima fotografia em PB, competente direção, lindo trabalho de reconstituição de época (direção arte) em termos de cenografia e figurinos. Belfast conta ainda com outro mérito incontestável: a qualidade de seu elenco, com destaque para a bela e talentosa Caitriona Balfe (Ford vs Ferrari, 2019). Meus Deus, que mulher apaixonante! Transbordando charme, estilo e discreta sensualidade a cada segundo em que está em cena. E também para os simpáticos e divertidos avós do protagonista, vividos pelos ótimos Ciarán Hinds (Munique, 2005) e Judi Dench (O Exótico Hotel Marigold, 2011) e, claro, o já citado garotinho vivido pelo pequenino Judie Hill é um show à parte.
Aliás, um outro feliz acerto de Belfast - que confere muita verdade ao filme - é a opção por atores quase todos de fato irlandeses (com exceção da britânica Judi Dench), muito mais do que por encher o filme de celebridades hollywoodianas e assim, quase inevitavelmente, torná-lo vazio e artificial.
Outro ponto alto do filme é, sem dúvida, a ótima trilha sonora, recheada com o melhor da "blue eyed soul" britânica/irlandesa, com destaque para os temas cantados pelo veterano cantor e compositor norte-irlandês Van Morrison.
Em enxutos 1 hora e 38 minutos, Belfast, contrariando a "regra" que parece ter se estabelecido no cinema mainstream (destinado ao grande público) contemporâneo, onde quase todos os novos filmes passaram a ter no mínimo 2 horas e 20 minutos, consegue contar e desenvolver muito bem sua história, sem as hoje quase inevitáveis "barrigas" de roteiro. Mais um ponto positivo para Kenneth Branagh, em sua mais recente encarnação. Que bom!
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