O PRIMEIRO ORGASMO DE UMA MULHER
por Vicente Vianna
Um drama leve com uma temática muito contundente, considerada um tabu na nossa sociedade, que é a falta de prazer sexual das mulheres.
Desde os tempos das nossas avós até hoje, existem mulheres que se contentam em ter uma família, criar seus filhos com aquela obrigação de ter afinidade com eles, mesmo não tendo e com um marido que na cama nunca lhe deu prazer. Mulheres que durante toda sua vida praticou um sexo mecânico.
Digo que é um drama leve porque o roteiro trabalha os seus três atos de forma gradual e, aos poucos, vai despindo as questões dos personagens, como também suas roupas.
A roteirista/produtora inglesa Katy Brand (série de comédia britânica Katy Brand`s Big Ass Show, 2007-2009) pega do filme A Primeira Noite de um Homem (Mike Nichols, 1967) só a parte mais interessante, que é a perda da virgindade de um jovem com uma mulher madura, tratada com a mesma delicadeza aqui. Fica também uma singela homenagem, ao colocar o mesmo sobrenome na protagonista: Robinson.
Essa odisseia sexual de uma mulher viúva de aproximadamente 60 anos em luta contra os seus tabus, timidez e total falta de experiência sexual, que encontra os serviços sexuais de um jovem ambicioso, sensível, com traumas profundos da sua criação, mas que também se beneficia tendo compreensão e carinho que nunca teve de sua mãe, mostra os dois lados de uma relação.
Tudo é contado em praticamente uma locação, o quarto do hotel. Tem uma cena que Nancy fala com o garoto de programa Léo que para seus encontros sexuais ela prefere escolher sempre o mesmo quarto. Achei meio desnecessária essa fala, embora possa realmente ocorrer, mas me remeteu a produção do filme economizando custos.
Não é fácil fazer um filme todo em uma locação e prender a atenção do público até o final, méritos À Katy Brand e à diretora australiana Sophie Hyder (da minissérie Fucking Adelaide, 2017), que usa os planos com arte valorizando a narrativa.
Em um certo aspecto, esse filme me fez lembrar do filme A Outra (Woody Allen, 1988) onde uma mulher descobre que sua vida não é nada do que ela pensava através da escuta da terapia de outra mulher no quarto ao lado. Em Boa Sorte, Leo Grande tem uma terapia bilateral entre os personagens. Ambos com suas questões traumáticas que se resolvem na descoberta, doação e conflito de um com o outro.
Daryl McCormack (Pixie, 2020) é um ator irlandês que começou em novelas e aqui está muito convincente no papel de homem sensível que preza pelos seus clientes ao se prostituir para pagar sua faculdade. Com ele não há hipocrisia em relação a profissão mais antiga do planeta.
Ema Thompson (Retorno a Howard`s End, 1992) é uma típica professora de adolescentes inglesa: moralista, com pulso firme e coragem ao estar disposta a enfrentar o contrário de tudo que aconselhou as alunas depois do falecimento do seu marido. A cena do encontro com a garçonete ex-aluna mostra bem sua mudança. A premiada atriz com Oscar, Emmy, Globo de Ouro, Festival de Veneza, etc, dispensa comentários. Entretanto, em Boa Sorte, Leo Grande, mais uma vez ela se entrega ao papel de corpo e alma e passa uma mensagem para todas as mulheres maduras que a autoestima também está na aceitação da passagem do tempo no corpo. Tanto nas cenas com diálogos e principalmente nas cenas silenciosas, Ema Thompson está impecável. Um prazer para todos nós, fãs de cinema.
A escolha do título Boa Sorte, Léo Grande é um mini-spoiler de como o arco da protagonista foi bem resolvido. Fica a lição: nunca é tarde para termos orgasmos nesta vida.
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