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FÚRIA (Rabid)




PÁLIDO REMAKE


por Antônio de Freitas


O filme faz parte da onda de “remakes” e de “reboots” que tomou conta de boa parte do cinema americano. Alguns deles conseguiram renovar e desenvolver melhor a ideia original, mas é uma pena que são poucos. Grande parte dessa safra é de obras bem fracas que, no máximo, se parecem com meras imitações que não cumprem o que prometem.

Esse filme fica no meio do caminho e perde para a obra original, apesar de não fazer feio. O problema começa com a comparação, pois trata-se de um filme de um diretor que tem uma obra bem pessoal e milhões de admiradores. Trata-se de David Cronenberg, que nos presentou com obras cult como Scanners: Scanners, Sua Mente pode Destruir (Scanners, 1981), Videodrome: A Síndrome do Video (Videodrome, 1983) e o “remake” A Mosca (The Fly, 1986), uma obra que conseguiu ultrapassar a obra original em todos os quesitos e cimentar o termo “body horror” como um estilo do cinema. E, talvez seja por isso que as duas diretoras desse filme, as irmãs Jean e Sylvia Soska, se lançaram na tarefa de fazer um remake de Enraivecida na Fúria do Sexo (David Cronenberg, 1977). As duas se projetaram no mercado de cinema com um terror interessante que trata justamente da fixação em modificação corporal: American Mary (2012).

A protagonista Rose é vivida por Laura Vandervoort (O Conto da Aia, 2021), uma assistente de um estilista famoso que trata todo mundo de forma dura e especialmente ela, que tem problemas com a timidez e sua aparência, que ainda se tornam piores por viver em um mundo de mulheres lindíssimas. Este é um detalhe que enriquece a ideia original por ter transportado a personagem para um mundo onde a beleza física é o que mais importa para as pessoas. Rose se sente feia e isso atrapalha seu relacionamento com as pessoas e no trabalho. Leva uma vidinha tediosa sendo alvo de chacota das modelos e colegas de trabalho que piora quando é atropelada e fica com o rosto completamente deformado.


Desesperada por sua condição, ela aceita ser cobaia de um tratamento experimental de uma clínica que acabou de lançar a ideia de “transumanidade” na mídia prometendo milagres com o uso de genes manipulados e células tronco. Os resultados são magníficos, está bonita e isso faz milagres na sua autoestima. Segura de si ela volta ao mundo da moda não só impressionando a todos com sua aparência, mas com seu trabalho arrojado que a leva a ser notada pelo estilista e convidada a criar uma coleção própria. O mundo parece ser um paraíso para ela até o momento em que começa a sentir uma fome que não sabe de quê. Então os problemas começam a aparecer assim como modificações no corpo de Rose. O “body horror” começa de fato e nesse filme exploram mais as deformidades do que o filme de 1977. Rose passa a fazer vítimas para satisfazer sua fome e, sem saber, espalha uma doença que começa a tomar conta da cidade até chegar um final “grandguignolesco” com doses cavalares de sangue.


Nota-se um esforço das irmãs diretoras para dar uma personalidade própria à sua obra, mas ela empalidece diante da original. O elenco, com poucas exceções, está muito bem e as cenas do atelier e desfiles parecem bem plausíveis, com atrizes que parecem realmente modelos. O que falta é uma atmosfera mais pesada, fotografia mais trabalhada e, sobretudo, uma trilha sonora mais condizente com esse tipo de história (um dos maiores defeitos desse filme). A sensação que se tem é que faltou um tempero, cores mais densas, enquadramentos mais elaborados ou uma direção mais ousada cuja falta deixa tudo mais leve. Talvez as pessoas que nunca viram o original não sintam isso e até gostem do que vão ver.

Para quem gosta de cenas fortes e muito sangue existem umas cenas que começam bem, mas são mal aproveitadas. Se propuseram a fazer algo mais viceral e chocante do que o original, mas não usam os efeitos (alguns são bem bons) quando era necessário mostrar e, por outro lado, alguns não tão bem feitos foram deixados na tela o tempo suficiente para que se note as gambiarras. Na direção de arte se nota, em certas cenas, que o orçamento era bem curto e erram ao não dar mais atenção ao cenário da cena final que merecia uma atenção especial.


Fúria está cheio de homenagens a antigos clássicos do gênero assim como produções bem recentes. A cena da operação tenta homenagear a sala de operações vermelha do filme Gêmeos - Mórbida Semelhança (David Cronenberg, 1988) e perde feio na comparação para quem viu. A intensão foi boa, mas isso só fez parecer pobre o que tentaram fazer. É um filme B que não entrega tudo que promete, mas não chega a decepcionar. Para os fãs de filme de terror vale dar uma conferida. O que se conclui é que essas duas diretoras ainda têm muito o que aprender antes de se aventurarem no universo grotescamente belo de David Cronenberg.


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