CHANCHADA À FRANCESA
por Ricardo Corsetti
Há pelo menos duas décadas, é fato que o cinema francês tem investido muito na produção de comédias de apelo popular (românticas ou de costumes), buscando assim atingir o grande público (inclusive na própria França) e deixar um pouco de lado o estigma de "cinema cabeça" e autoral. Nesse sentido, não causa espanto que até mesmo a tendência à concepção de "franquias" (produções desde o início pensadas para gerarem continuações) também já tenha chegado ao Cinema Francês dos novos tempos mercadológicos.
Que Mal Eu Fiz a Deus? 2, sequência do filme homônimo realizado em 2015, se inscreve perfeitamente nesse filão. Com um humor de apelo popular, mas ao mesmo tempo com piadas e diálogos espirituosos do tipo que dificilmente veríamos numa comédia norte-americana padrão, por exemplo, o novo filme dirigido e co-roteirizado por Philippe de Chauveron (Que Mal Eu Fiz a Deus?, 2015), diverte ao satirizar o choque cultural contemporâneo entre franceses natos e imigrantes das mais diversas origens. Pena que nem sempre acerte no tom ao satirizar tais conflitos (sobretudo verbais), em alguns momentos quase resvalando na xenofobia.
O grande destaque é mesmo o veterano ator Christian Clavier (Se Eu Fosse um Homem, 2020), divertidíssimo ao viver o patriarca de uma típica família de classe média-alta francesa tendo que rever seus medos e preconceitos em relação à presença e entrada dos "temiveis" imigrantes no interior de sua própria família.
Clavier equilibra, com seu talento, as demais atuações quase sempre um tanto exageradas e estereotipadas dos demais atores, humanizando bastante esse personagem que, nas mãos de um ator menos experiente e talentoso, poderia soar como um burguês intragável.
O personagem chinês em eterna paranoia quanto ao fato de achar que os franceses (inclusive seus amigos) o consideram uma ameaça à economia francesa é também bem divertido. Ao passo que o imigrante/refugiado afegão que acaba indo viver na casa do já citado personagem vivido por Christian Clavier, caso melhor desenvolvido e menos estereotipado, poderia render algo bem melhor, mas as situações que ele ali enfrenta beiram mesmo a xenofobia e eurocentrismo explícitos.
Entre erros e acertos, Que Mal Eu Fiz a Deus? 2 diverte e retrata de forma bem-humorada as agruras vividas por imigrantes de origem árabe, chinesa, africana, etc; em território francês. Faltou apenas desenvolver um pouco melhor os personagens e evitar tantos clichês. Mas é realmente válido ver essa busca por um humor de apelo popular por parte do antes cerebral e sisudo cinema francês.
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