
UM MERGULHO NO FEMININO
Com direção de Gregorio Graziosi (Obra, 2014), Tinnitus precisa de uma explicação antes de se falar deste filme. É a definição do que seria isso. Tinnitus é um zumbido ou chiado causado por lesões no pescoço, cabeça, efeito colateral de remédios ou super exposição a sons altos. E é disso que sofre a atleta de mergulho Marina (um nome que remete à água), interpretada pela belíssima e muito premiada Joana de Verona (Vanda, 2022). E é isso que vai modificar sua vida após perder uma competição nas Olímpiadas, quando sofre o primeiro ataque.

A partir daí, Marina abandona as competições e passa a trabalhar como sereia de aquário. Mas com o incentivo de Teresa - interpretada por Ali Willow (Bacurau, 2019) -, a atleta que entrou no seu lugar, ela se joga em uma luta para retornar ao seu sonho que é o salto sincronizado. Sua trajetória torna-se uma jornada de superação, ao mesmo tempo que o zumbido que a atormenta é um empecilho também se torna uma motivação para questionamento de si mesma e do mundo ao seu redor. Simbolicamente, ela precisa voltar a superfície depois de um mergulho que parece não ter volta. Se joga em uma batalha em busca da perfeição.
Gregorio Graziosi nos entrega um espetáculo imagético e sonoro sofisticado onde cada item está perfeitamente alinhado com as intenções do diretor. A trilha sonora do inglês David Boulter (Bastardos, 2013) é um ponto forte com uma música mesmerizante, assim como o desenho de som de Fábio Baldo (Antes o Tempo Não Acabava, 2016) que inunda o filme com o zumbido fazendo com que o espectador sinta a mesma angústia da personagem (às vezes um pouco em demasia). O zumbido que atormenta a personagem e o espectador age como a cor no magnífico As Horas (Stephen Daldry, 2002) onde a cor violeta que está presente no mundo das 3 protagonistas é um símbolo de inquietação e angústia.

A Direção de Fotografia é do português Bruno Poças (Fogo-Fátuo, 2022) que nos surpreende com um espetáculo de cores contrastantes que variam dos azuis e verdes a um ocre forte. Há uma linda cena repleta de simbolismo quando vemos Marina diante do quadro Moema - de Victor Meirelles - e com os mesmos tons ocre da pintura. É uma ligação óbvia com a história da índia que se lançou ao mar para nadar atrás da caravela que leva embora seu amado Caramuru (Diogo Álvares Correia). E esse é a premissa do filme: uma personagem que se lança na água em busca de seu sonho. Um dos variados detalhes que demonstram a riqueza dessa obra.

O roteiro foi feito a 6 mãos pelo diretor, Andres Veras (Era Uma Vez Uma História) e Marco Dutra, este uma grande figura do nosso cinema que nos entregou O Silêncio do Céu (2016) e Trabalhar Cansa (2011) e, acho eu, responsável pela atmosfera repleta de simbolismo desse filme que pode ser encarado como um mergulho no feminino assim como um exemplo que o cinema brasileiro está dando passos para a frente.
Vale muito a pena ver essa obra que é um verdadeiro deleite para os olhos e ouvidos. O zumbido quando toma conta das cenas chega a incomodar, mas isso faz parte da intenção do diretor que nos faz mergulhar na história e no sofrimento de Marina.
Atualizado: 10 de nov. de 2022

MISCELÂNEA SONORA E VISUAL
por Ricardo Corsetti
A recente adaptação cinematográfica de One Piece Red, parece não ter pensado muito naqueles que não conheciam previamente a trama e personagens do homônimo anime em que se baseia.
One Piece Film, portanto, corresponde em grande parte a um produto claramente voltado a sua fan base (fãs incondicionais), esteticamente e tecnicamente bem realizado, isso é verdade, mas com trama um tanto confusa, com muitos elementos dificilmente digeríveis por quem não está de fato familiarizado com o universo retratado.

Um autêntico espetáculo visual e - sobretudo - musical, verdadeira miscelânea de sons e cores na qual, porém, o experiente diretor de animação Goro Taniguchi (Code Geass: Lelouch of the Resurrection, 2019) parece ter esquecido que era preciso de fato contar uma história, com início, meio e fim, razoavelmente identificáveis.
O humor peculiar, claramente ligado à cultura japonesa, nem sempre funciona em relação ao nosso padrão cultural, apesar de todas as referências à cultura pop internacional, presentes sobretudo na concepção visual do filme.
O fato de termos acesso a uma cópia dublada, no entanto, contraditoriamente, acaba sendo justamente o ponto alto dessa versão pois, conforme destacaram os dubladores brasileiros presentes à coletiva de imprensa pós-filme, isso acaba gerando empatia e familiaridade por parte do público em geral ao ouvirmos expressões tipicamente brasileiras (e muitas vezes regionais) como: "oxe", "irado", "pra dedéu" e "vem novinha", por exemplo.

Em outras palavras, justamente aquilo que, em princípio, deveria soar estranho no filme (as referidas expressões em português), é o que melhor funciona no âmbito de fazer com que o filme se comunique - de forma mais direta - com a parcela do público não familiarizada com o universo anime.
Válido enquanto experimento audiovisual, One Piece Film: Red, no entanto, mostra clara dificuldade em ultrapassar as barreiras culturais e temáticas, involuntariamente impostas pelo formato anime. Mas vale uma boa conferida!
Atualizado: 12 de nov. de 2022

MISTURA DESANDADA
por Antônio de Freitas
O filme começa com a apresentação da hipster meio desorientada Olive, interpretada por Amanda Crew ( da série Silicon Valley, 2014 a 19), que trabalha como assistente de um estilista e enfrenta uma tempestade em sua vida. Aliás, duas porque termina com o namorado e é despedida um dia depois em cenas de comédia amarga com diálogos cheios de cinismo e até bem escritos. A cidade grande apresentada é povoada de personagens neuróticos que se agridem através de estocadas verbais o tempo todo. Estressada com os eventos, ela decide alugar uma casa no campo por uns dias, atendendo aos conselhos de sua mãe, que se mudou para uma comunidade de hippies. Faz as malas e se muda para lá e, ao chegar, conhece o dono da casa, o viúvo azedão Harvey vivido pelo ator - sempre lembrado pelo seu papel do T-1000 de O Exterminador do Futuro 2 (James Cameron, 1991) - Robert Patrick.

Logo notamos que Harvey é meio pancada das ideias e tudo demonstra que Olive vai ter problemas, assim como o filme, que muda de tom e não se desenvolve tão bem quanto a eficiente apresentação. Nesta parte, a atmosfera muda para filme de suspense com fotografia e trilha sonora condizentes. Olive parece nem saber o que fazer ali no campo, se preocupa em procurar namorados novos em um aplicativo, fofocar com as amigas pelo celular e tentar se reconectar com a mãe, que não liga muito pois anda ocupada com um garotão. Enquanto isso, Harvey demonstra que tem um lado psicopata, tem problemas com o filho que o deixou, odeia os jovens de hoje e parece que está jogando tudo na antipatia instantânea que sentiu pela avoada Olive. Tudo nos leva a crer que a coisa vai degringolar e acabar em tragédia.

O diretor e roteirista Richard Bates Jr, que já foi muito bem cotado por ter realizado o terror moderninho Excisão (2012), aponta para a fusão de horror e comédia, algo que fez muito sucesso na década de 80 e 90 gerando filmes icônicos. Prova que sabe muito bem como lidar com comédia em cenas bem montadas e repletas de diálogos aguçados, assim como o terror e violência. O problema está no fato de não conseguir lidar com a junção dos dois gêneros. Em suas mãos, um estraga o outro, apesar de uma produção bem feita cuja qualidade está estampada em todas as cenas do filme. Há cenas até bem construídas com um subtexto de choque de gerações e críticas disparadas contra ambas. Nota-se o esforço de fazer um filme mais inteligente do que aqueles que costumamos ver nos dois gêneros, mas não consegue deixar seus personagens interessantes o suficiente para capturar a empatia ou antipatia do espectador.
O resultado é um filme morno que não entrega o que a premissa promete. Não chega a ser ruim. Amanda Crew tem carisma e talento suficiente para carregar um filme nas costas assim como Robert Patrick, que já provou que os anos fizeram muito bem ao seu talento. E os dois tem a companhia de coadjuvantes eficientes e muito bem escolhidos. A conclusão é que não adianta ter ótimos ingredientes se não se consegue misturá-los bem para conseguir uma obra tão boa quanto eles. É um filme que não faz feio em uma “Sessão da Tarde” ou fim de noite na TV. Só isso.









































