
ASCENSÃO E QUEDA DO CELULAR QUE MUDOU O MUNDO
por Ricardo Corsetti
Quem, assim como eu, viveu sua juventude no início dos anos 2000, com certeza vai se lembrar deste hoje "artigo de museu" que - sem a menor dúvida - mudou a história da comunicação e, sim, das relações humanas como até então conhecíamos: o BlackBerry, ou seja, o protótipo do que, poucos anos depois, viria a ser conhecido como Smartphone.

Em resumo, o BlackBerry foi o primeiro telefone celular com acesso à internet a surgir na face da Terra, por iniciativa de dois nerds (e até então, melhores amigos) canadenses que, meio que por acidente até, dentro de pouco tempo - sobretudo após conhecerem um, digamos assim, autêntico "lobo de Wall Street" - se tornariam alguns dos homens mais ricos e poderosos da face da Terra.
E olha que quando falamos em acesso à internet - naquele momento, por volta de 2002/2004, época em que as hoje onipresentes redes sociais ainda engatinhavam - isso se resumia, basicamente, ao acesso de e-mails, via celular.
Mas - como quase tudo o que é bom tem curta duração -, pouco tempo depois da ascensão do BlackBerry, veio sua praticamente inevitável queda, seja por conta de suas limitações técnicas, seja pela inegável superioridade de seu concorrente, no caso, o futuramente famigerado e cobiçado "Iphone", recém nascido, o então reinante símbolo de status representado pelo BlackBerry, dentro de pouquíssimo tempo viraria, literalmente, sucata.

Enfim, quanto ao filme propriamente dito, se trata de uma ótima cinebiografia acerca não de uma pessoa, mas sim, conforme acima comentado, de um simples objeto que viria a mudar o mundo.

Dirigido e também coestrelado, com competência, pelo diretor e ator canadense Matthew Johnson (Os Sujos, 2013), BlackBerry possui muitos méritos, tais como: o senso de humor muito peculiar que percorre e conduz toda a narrativa, o ótimo elenco (não formado por celebridades hollywoodianas, aliás) e a honestidade - sem julgamentos ou maniqueísmo - por meio da qual essa interessantíssima história real nos é apresentada.
Incomoda apenas a fotografia um tanto descuidada mas, visto que estamos falando de um filme onde a relevância do tema, bem como a fluência narrativa (que é ótima) devem estar acima de tudo, esse acaba sendo um detalhe meramente "acessório" que, portanto, não chega a comprometer em nada o resultado principal.

COISAS DE CLICHÊ
por Antônio de Freitas
Desde os anos 80, a Alemanha tem apostado na criação de filmes que avançam sobre o terreno dos gêneros dominados pelos americanos. Com o sucesso dos seus diretores autores, conseguiram emplacar obras memoráveis como o belíssimo O Tambor (Volker Schlöndorff,1979), O Barco Inferno no Mar (Wolfgang Petersen, 1981), A História sem Fim (Wolfgang Petersen, 1984), o poético Asas do Desejo (Wim Wenders, 1987) e uma série de sucessos internacionais que colocaram a Alemanha na figura de proa do desenvolvimento das cinematografias “off Hollywood” daqueles anos.

Conseguiram criar obras de peso no campo da Ficção Científica, Drama Épico, Fantasia, Terror e Ação. Agora vemos Coisas do Amor (Liebesding, 2022) uma produção de porte que aposta no gênero de Comédia Romântica.
A festejada diretora/roteirista Anika Decker (High Society, 2017) cria um filme com valores de produção altíssimos. Uma Direção de Fotografia eficiente, Direção de Arte e Figurino ricos em detalhes na caracterização de inúmeros sets e personagens dos mais diversos tipos. A proposta é de criar um filme de visual de cores fortes que evoca os primeiros filmes de Pedro Almodóvar (Mães Paralelas, 2021).
Marvin Bosch, na pele de Elyas M’Barek (A Onda, 2008) é um ator de sucesso que está no auge da carreira com um badalado filme de comédia que vai ser lançado. Mas a mídia é uma faca de dois gumes, ao mesmo tempo que tem o aplauso dos fãs, ele tem nos seus calcanhares uma famigerada jornalista que o persegue para aproveitar o escândalo de suas fotos nu, assim como revelações sobre seu passado. Na noite da estreia do filme, esmagado pelo peso da própria fama, entrando em crise com tudo isso e perseguido por fãs enlouquecidas, ele acaba tendo que se esconder em uma Boate Gay. Ali toma contato com um mundo completamente diferente do “saco de gatos” que é o universo com o qual está acostumado. O exemplo da ousadia e desprendimento dos valores das Drags Queens acabar por transformá-lo.

A diretora/autora é extremamente eficiente na condução de cenas muito bem orquestradas como a espetacular sequência inicial que, junto com os créditos do filme, apresenta o personagem principal na sua posição de ator celebridade rodeado de atenções. O mesmo capricho é dado aos bastidores da indústria do cinema com suas figurinhas, tramoias e ações não muito éticas que estão distribuídas em cenas pelo filme todo. Cenas estas que acabam formando um rico painel que serve como ilustração do mundinho venenoso frequentado pelas celebridades do cinema, da TV e da internet.

Com a já reconhecida eficiência alemã, o filme consegue apresentar um espetáculo colorido, movimentado e com um elenco afiado. Mas peca pelo excesso de personagens até bem caracterizados e pequenas tramas que entram para desaparecer sem mais nem menos. Com isso, temos a sensação de que são criados apenas para encher buracos ou resolver situações. Na tentativa de fazer sucesso agradando a Gregos e Troianos, acabam apostando em dois clichês mais do que manjados na história das comédias americanas. O primeiro seria do personagem pertencente ao universo X que é obrigado a frequentar um universo Y oposto ao mundo que conhecia. Ali cumpre seu arco dramático e acaba evoluindo O segundo seria o do casal improvável: duas pessoas de universos diferentes que, apesar de não terem a mínima chance de se entrosarem, se apaixonam.
Já que estavam fora do sistema pesado das distribuidoras americanas, poderiam ter ousado para nos entregar uma comédia de humor ácido ou até um drama psicológico, com essa odisseia do astro de cinema em crise que sente o gostinho da liberdade de expressão em uma boate de drag queens. Mas escolheram confiar apenas em ideias mais do que batidas e causaram um desperdício de valores de produção. Uma pena, pois tinham todas as chances de criar uma comédia memorável, com críticas bem construtivas sobre a indústria da mídia.

UM OCEANO DE TRISTEZA
por Antônio de Freitas
Baseado em uma história real, Além do Tempo conta a história de uma tragédia e suas causas que se estendem por mais de três décadas. Logo no início vemos belíssimas e muito eficientes imagens de uma câmera Super 8 que localizam - nos meados dos anos 80 - a família holandesa constituída de Lucas - vivido por Reinout Schoutenvan Aschat (O Sequestro de Heineken, 2011) -, Johanna na pele da atriz Sallie Harmsen (Blade Runner 2049, 2017) e o filho Kai de 5 anos, o simpático ator mirim River Oosterinck estreando no cinema. São pessoas de alto padrão econômico, que lhes proporciona a posse de um barco a vela e viagens por países exóticos.

A ação pula para 35 anos depois no ensaio de uma peça musical dirigida por Lucas - interpretado por Gijs Schouten van Aschat (Autodestruição, 2017) -, que está em torno dos 75 anos e é o pai do ator que interpreta o Lucas mais jovem. O trabalho é interrompido por uma senhora que aparece no palco atrapalhando tudo. Ela é Johanna, Elsie de Brauw (Quicksand, 2021) que, completamente irada, diz a Lucas que ele não tem direito de fazer aquela peça. O clima entre os dois é pesado, apesar de Lucas demonstrar que está feliz em encontrar Johanna. A partir daí o espectador vai saber o motivo de Johanna não querer que aquela peça seja feita e sobre o que ela fala.
A narrativa se divide em 3 tempos: as felizes viagens do casal com o filho e a tragédia que acontece na última, o resultado do fato na vida do casal e o desenvolvimento do reencontro dos dois 35 anos depois. E não é um “spoiler” revelar que o filho Kai desapareceu no mar na última viagem, porque isso é revelado logo no início. A trama gira na apresentação da dolorosa e gradativa destruição do casal que tem reações muito diferentes diante da perda do filho. Esta diferença na forma de lidar com a dor acaba por gerar um choque entre os dois que acaba em separação. E, nas cenas do presente, a trama apresenta o desfecho com a volta de Johanna e a troca de acusações, questionamentos e cobranças entre os dois. Os 35 anos de separação formaram um abismo entre os dois e, através dos “flashbacks”, o público vai descobrir e entender as emoções que levaram a esta situação.

O diretor Theu Boermans (De Prooi, 2013) não poupa ninguém na apresentação da imensa dor que toma conta da vida dos dois em belas e tristes cenas repletas de ótimas atuações do elenco muito bem escolhido. O roteiro inteligente consegue construir uma crescente tensão entre os dois tempos apresentados após a resolução da sequência de cenas que culminaram com a morte da criança (o primeiro tempo). Ambos correm em paralelo até atingir um clímax: a separação do casal no passado e o choque e a solução dos problemas criados por anos de angústia que se transformaram em uma muralha entre os dois.

O mar ou a água acaba se transformando em um personagem onipresente como se fosse ele a materialização da saudade e do sentimento de culpa pela tragédia. Sua imagem inicia e termina esta obra, pois faz parte do cenário da peça que fala justamente da perda do filho. Um modo que Lucas encontrou para exorcizar sua dor. É na noite de estreia da peça que ocorre o desfecho. Isso conduz a um final que até surpreende com uma surpresa e posterior reviravolta.
Um final bonito para um filme feito com sensibilidade e respeito aos personagens do drama real no qual é baseado esse filme. Sem a mínima vergonha de apresentar uma obra repleta de melodrama, o diretor coloca a imagem do oceano no início e no fim, parecendo querer mostrar a imensidão da dor de perder um filho.









































