
TRAGÉDIA CONHECIDA
por Antônio de Freitas
Sem Deixar Rastros é um filme de Jan P. Matuszyński, conhecido pela biografia do artista polonês Zdzisław Beksiński (1929-2005) e sua família em A Última Família (Ostatnia Rodzina, 2016) e pela minissérie O Rei de Varsóvia (Król, 2020). Obedecendo a sua vertente de crítica social e política sobre a história da Polônia, ele nos apresenta um relato sobre um fato real acontecido em 1983, quando um estudante de 19 anos foi espancado até a morte por policiais simplesmente por se recusar a mostrar seu documento de identidade.

Estamos na Polônia do início dos anos 80, ainda sob o jugo da ditadura do General Wojciech Jaruzelski (1923 – 2014) e ainda sem a força do movimento “Solidarnosc” (Solidariedade) que ainda estava crescendo, mas já gerando atrito com o Governo Comunista. Somos apresentados ao protagonista Jurek Popiel, vivido por Tomasz Ziętek (Entre Festas, 2021) e seu amigo Grzegorz Przemyk interpretado por Mateusz Górski (Monstros da Cracóvia, 2022). Os dois se mostram muito felizes por terminarem uma fase da vida, estão terminando o segundo grau e prontos para tentarem entrar na faculdade.
Saem pelas ruas comemorando e, na praça principal da cidade, uma típica brincadeira boba de adolescentes acaba chamando a atenção de um grupo de policiais que se aproximam e exigem que os dois mostrem seus documentos. Jurek atende automaticamente, mas Grzegorz se revolta e alega não ser obrigado a fazer isso. Os dois são levados à uma delegacia e Grzegorz é espancado até ficar quase desacordado e precisando ser levado a um hospital. Uma ambulância é chamada e ele é levado à um pronto-socorro onde é atendido como se fosse uma pessoa com problemas mentais devido à uma mentira contada pelos policiais. Jurek corre para acompanhar o amigo e fica ao seu lado até que morre após dois dias de sofrimento.

Nesse momento começa a trama central do filme. Jurek - este um personagem fictício que é a junção de duas pessoas reais - vai querer justiça e pretende expor a brutalidade da polícia, se apresentando como testemunha do fato. Para isso vai ter que lutar contra um sistema corrupto e decadente, acuado pelas cobranças da opinião pública do mundo inteiro e o crescente movimento que vai acabar derrubando a ditadura. O governo reage criando um labirinto de burocracia, divulgação de “fake news” à exploração do passado da mãe de Grzegorz, uma poeta ativista que já foi presa várias vezes.
Na busca pela revelação da verdade, o jovem Jurek e seus entes próximos vão sofrer por estarem tentando levar aos tribunais os responsáveis pela morte do amigo, estes, um braço armado do governo alinhado com os soviéticos, a representação do estado totalitário e seus personagens de praxe: funcionários públicos e de outras entidades que se vendem por quem pagar mais, outros que fingem não ver nada por medo ou por ganhar algum benefício com aquele sistema vigente, etc.

O diretor escolhe uma abordagem documental/realista, com uma câmera nervosa típica dos telejornais e usando uma imagem granulada para dar mais ainda a sensação de algo captado com tecnologia da época. O resultado é uma mescla de drama de época e thriller (suspense) claustrofóbico que apresenta uma evolução precisa do processo de investigação, posterior acusação e julgamento, que tem como principal testemunha o rapaz que, junto com os seus, começa a temer por sua vida e busca apoio na divulgação dos fatos. Tomasz Ziętek - que interpreta Jurek -, apesar de não ter cara de um jovem de 19 anos, interpreta com garra seu personagem e está muito bem assessorado por atores e atrizes de peso.
O resultado é um filme tenso com uma história contada em detalhes que lembra muito o cinema de Costa Gravas (Desaparecido: Um Grande Mistério, 1982) ou todo o cinema repleto de protestos dos iconoclastas da década de 70. Peca pela duração excessiva que pode cansar o espectador. Mas vale à pena ser visto por apresentar um drama repleto de detalhes que nós brasileiros conhecemos. Oportunidade para compararmos nossas experiências.

BOA PREMISSA, RESULTADO NEM TANTO
por Ricardo Corsetti
Típico exemplo de uma boa ideia desperdiçada, Muti - Crime e Poder se insere claramente naquela categoria dos filmes que partem de uma ótima premissa, mas seja pela inabilidade do diretor em contar aquela história, seja pela inabilidade do roteirista em desenvolver adequadamente sua ideia original, acaba se perdendo no meio do caminho.

Misto de drama com suspense policial com uma trama - em princípio, bastante interessante, é verdade - envolvendo curandeirismo e feitiçaria, acaba, porém - devido a tantas reviravoltas desnecessárias e mal explicadas - cansando o espectador e assim comprometendo, irremediavelmente, o resultado final.
Aliás, por falar em "final", o filme dirigido por George Gallo (Vigaristas em Hollywood, 2020) tenta nos ludibriar com pelo menos uns 4 pseudo-finais e, por isso mesmo, embora tenha apenas 1 hora e 32 minutos de duração, por um momento chega a parecer durar 3 horas, tamanho é o desgaste da história central que acaba por provocar - ao tentar ser "original" - quando, na verdade, tudo o que consegue com tal prolongamento desnecessário da narrativa é ser enfadonho.
Além disso, as atuações também deixam a desejar. Nem mesmo o experiente Morgan Freeman (Seven - Os Sete Pecados Capitais, 1995), que parece ali estar apenas para cumprir tabela, apresenta um desempenho que vá realmente além do razoável.

A propósito, o diretor já havia trabalhado com Freeman e também com Robert De Niro (O Cabo do Medo, 1991), na comédia Vigaristas em Hollywood (2020), com resultado bem melhor. Visto que aqui, até mesmo sua direção propriamente dita, se mostra bastante deficiente desde as cenas iniciais, verdade seja dita, com planos mal escolhidos.
Apesar da boa qualidade em termos de produção, "Muti" ficou, realmente, apenas na intenção de resultar num bom filme.

A TURQUIA É AQUI
por Ricardo Corsetti
Pai: "Qual a sua primeira lembrança de infância?" Filha: "a Disneylândia". Pai: "Já a minha primeira lembrança de infância é a prisão". Contundente frase extraída de Rheingold - O Roubo do Século, o mais recente filme do já consagrado diretor e roteirista alemão de ascendência turca Fatih Akin.

Autor da obra-prima Contra a Parede (2004), filme vencedor do Urso de Ouro no Festival de Berlim daquele ano, a propósito e também do quase tão bom quanto O Bar Luva Dourada (2019), Akin permanece fiel ao seu estilo caracterizado por uma violência estilizada, mas nunca gratuita, visto que seus protagonistas são, quase sempre, homens e mulheres sofridos, "brutalizados" pelas adversidades da vida, etc.
Mas, embora seja até possível ver algo de "tarantinesco" (menção a Quentin Tarantino - de Pulp Fiction, 1994) na violência explícita de boa parte de seus filmes, não se deve esperar, porém, um estilo narrativo clássico e muito menos um ritmo característico de filmes norte-americanos na filmografia de Akin. O estilo do diretor e roteirista alemão permanece único e muito pessoal. Ou seja, ele realmente possui aquilo que chamo de "assinatura de diretor". E isso é ótimo, claro.

Talvez a única ressalva a ser feita em relação a Rheingold, seja a duração um tanto excessiva: 2 horas e 18 minutos. Há alguns momentos (ou prolongamentos) um tanto desnecessários em determinadas cenas. Mas, ainda assim, a trama envolvendo a ascensão de um jovem curdo, abandonado pelo pai à própria sorte em companhia de sua jovem e dedicada mãe num país em guerra como futuro, digamos assim "rei do crime, mas com bom coração", é contada com muita competência e personalidade.
A trilha sonora, repleta de curiosas canções (aparentemente compostas exclusivamente para o filme), que se assemelham a uma espécie de "rap turco", são também um show à parte.
Talvez longe de ser um dos melhores trabalhos de Fatih Akin, Rheingold é, porém, bem superior a 80% do que o cinema mainstream norte-americano atual produz. Quanto a isso, não há dúvida.









































