
TENTANDO SUPERAR O POLITICAMENTE CORRETO, MAS SEM SAIR DO LUGAR COMUM
por Ricardo Corsetti
Por um lado, é extremamente louvável a proposta de Os Caras Malvados no sentido de, enquanto filme de animação, transpor a barreira do lugar comum em termos de roteiros do gênero, que quase sempre abordam histórias de transformação de caráter por parte de seus protagonistas, mas no fundo, no fundo, esta mega produção da DreamWorks em conjunto com a Universal não avança muito em relação a tudo aquilo que já vimos em 99% dos filmes do gênero animação.

O filme utiliza - sem dúvida - ótimas referências, que vão desde Pulp Fiction (Quentin Tarantino, 1994) logo em sua cena de abertura, até Onze Homens e um Segredo (Steven Soderbergh, 2002) por exemplo. Mas, apesar dessas referências inusitadas para um filme dirigido ao público infanto-juvenil e da inegável perícia do jovem diretor/animador francês Pierre Perifel (estreante em longa-metragem) em trabalhar tais referências e manter um ritmo ágil no desenvolvimento da trama, é difícil não se decepcionar com o progressivo retorno a uma trama moralista e convencional, que busca, acima de tudo, a readequação dos personagens "marginais" ao mundo dos "cidadãos de bem".
O convencionalismo ao qual a trama acaba se rendendo se torna ainda surpreendentemente frustrante ao nos darmos conta de que o ótimo Ethan Coen (Onde Os Fracos Não Tem Vez, 2007) é corroteirista do filme.
Obs: Ok, sim, é claro que eu entendo que estamos falando de um filme primordialmente destinado ao público infanto-juvenil e, portanto, é previsível que ele não possa ir tão longe no sentido de estimular o desvirtuamento dos valores éticos estabelecidos, é verdade. Mas ainda assim, acho que ousar um pouquinho mais na ausência de maniqueísmo com a qual os personagens são construídos, não faria mal a ninguém.

Talvez o ponto alto de Os Caras Malvados seja mesmo o personagem "Doutor Marmelada", vivido por um fofo porquinho da Índia que, digamos assim, será o único personagem do filme que, de fato, sofrerá uma grande transformação ao longo da trama.
Show de técnica em termos de animação e direção de arte, Os Caras Malvados peca, porém, ao oferecer um produto que vai pouquíssimo além do convencional, apesar de sua roupagem teoricamente inovadora.

O MUNDO SOB O OLHAR DE UM GAROTO
por Ricardo Corsetti
"É, realmente Raquel Welch é um belo programa educacional". Frase extraída do belo drama de época, dirigido pelo - hoje de volta à grande fase de sua carreira - Kenneth Branagh (Morte no Nilo, 2022).

A trama, que basicamente gira em torno do cotidiano do garotinho vivido pelo ótimo estreante em longa-metragem Judie Hill, combina tanto questões próprias ao universo infantil - e os inevitáveis ritos de passagem - e iniciação à vida no mundo dos adultos, quanto a dura realidade de um povo marcada pela guerra e por conflitos políticos de matriz religiosa, entre católicos e protestantes na capital norte-irlandesa, Belfast, no início dos anos 60.
De forte caráter autobiográfico, visto que o ator/diretor Kenneth Branagh de fato nasceu e passou toda a sua infância e adolescência em Belfast, a trama é, porém, conduzida com muita sensibilidade e leveza. Embora, não esquecendo a urgência da linguagem semi documental em seus minutos iniciais, com uma câmera nervosa, capaz de transmitir toda a intensidade e tensão vividas pelo garotinho e, sobretudo, por sua família, em meio àquele cotidiano de permanente tensão gerada pela inevitável consciência de que a guerra entre pessoas (vizinhos) que até outro dia se tratavam como irmãos, por conta da questão religiosa sobretudo, está por vir a qualquer momento.

Filme realizado com primor técnico: belíssima fotografia em PB, competente direção, lindo trabalho de reconstituição de época (direção arte) em termos de cenografia e figurinos. Belfast conta ainda com outro mérito incontestável: a qualidade de seu elenco, com destaque para a bela e talentosa Caitriona Balfe (Ford vs Ferrari, 2019). Meus Deus, que mulher apaixonante! Transbordando charme, estilo e discreta sensualidade a cada segundo em que está em cena. E também para os simpáticos e divertidos avós do protagonista, vividos pelos ótimos Ciarán Hinds (Munique, 2005) e Judi Dench (O Exótico Hotel Marigold, 2011) e, claro, o já citado garotinho vivido pelo pequenino Judie Hill é um show à parte.

Aliás, um outro feliz acerto de Belfast - que confere muita verdade ao filme - é a opção por atores quase todos de fato irlandeses (com exceção da britânica Judi Dench), muito mais do que por encher o filme de celebridades hollywoodianas e assim, quase inevitavelmente, torná-lo vazio e artificial.
Outro ponto alto do filme é, sem dúvida, a ótima trilha sonora, recheada com o melhor da "blue eyed soul" britânica/irlandesa, com destaque para os temas cantados pelo veterano cantor e compositor norte-irlandês Van Morrison.
Em enxutos 1 hora e 38 minutos, Belfast, contrariando a "regra" que parece ter se estabelecido no cinema mainstream (destinado ao grande público) contemporâneo, onde quase todos os novos filmes passaram a ter no mínimo 2 horas e 20 minutos, consegue contar e desenvolver muito bem sua história, sem as hoje quase inevitáveis "barrigas" de roteiro. Mais um ponto positivo para Kenneth Branagh, em sua mais recente encarnação. Que bom!

EM BUSCA DE UM MILAGRE
por Vicente Vianna
Todas as religiões usam o audiovisual para entreter e afirmar a fé dos fieis. Vide os evangélicos que, além de filmes para o cinema, fazem novelas bíblicas. Coração Ardente, um filme espanhol, segue essa linha: é católico como a história do O Código Da Vinci (2006), e sua continuação Anjos e Demônios (2009), ambos de Ron Howard. Porém, a comparação para na temática religiosa pois, além disso, a única semelhança entre esses filmes é o toque do telefone celular que é o mesmo “trimm” de telefone antigo, do personagem do Tom Hanks (Forrest Gump, 1994).

A trama não tem a ação dos filmes hollywoodianos. Uma escritora - Lupe Valdés (Karyme Lozano) - passa por um bloqueio criativo e tem que cumprir o contrato com a editora. Ajudada por uma perita em mistérios religiosos, vai atrás da história do Sagrado Coração de Jesus pelo mundo. Aí o filme vira um documentário com o drama familiar da escritora como pano de fundo. Tem locutor narrando, belas imagens das igrejas, das cidades, do Papa Francisco no Vaticano e imagens de arquivo de fatos religiosos, assim como depoimentos reais posados para a câmera. A trilha sonora lembra as dos vídeos motivacionais desses coachs famosos, um tanto quanto exagerada.
São dois diretores, creio que o Andrés Garrigó (São Pedro Poveda, 2016) - fundador e CEO da produtora Goya - ficou mais com a direção dos depoimentos e o Antonio Cuadri (Por Uma Boa Vida, 2000) - que também faz séries para TV, videoclipes - dirigiu a dramaturgia. Senti falta de uma direção de ator na menininha que aparece sorrindo. Ela só tinha que entregar um papel sorrindo para a protagonista, mas, sem orientação cênica, já aparece sorrindo o tempo todo e soou forçado. Yolanda Ruiz (da Série de TV espanhola El Síndrome de Ulises, 2007 - 2008) está muito bem como a mãe solitária com mágoa e amor pelo marido distante, o filme é dedicado a ela que faleceu antes de entrar em circuito.
A bela atriz Karyme Lozano (da série de mexicana Noches con Platanito, 2013 - 2015) atua muito bem como uma espanhola, sem o sotaque da sua terra natal. O resto do elenco não compromete e é entremeado com depoimentos reais.

Segundo os diretores, o filme foi feito para enaltecer o amor entre as pessoas que estão cada vez mais frias e voltadas para o próprio umbigo. O milagre do Sagrado Coração de Jesus resgata a fé na vida e um olhar carinhoso com o próximo dando esperança de uma vida com mais amor.
Fica claro que os depoimentos foram escolhidos para fortalecer o sagrado e aquecer os corações das pessoas. Quando mostra o milagre numa guerra em que uma bomba explodiu um caminhão comboio e destruiu só a parte que carregava o material, salvando as vidas dos soldados que tinham um escapulário com a imagem do Sagrado Coração de Cristo, nos dá margem para imaginar que numa grande tropa também morreram soldados com igual amuleto de proteção divina, mas isso não é mostrado, pois não é o foco da investigação.
O filme agradará mais às pessoas que querem conhecer a história do Sagrado Coração de Cristo e os religiosos, sobretudo os católicos. Como na prática da igreja, em que a contribuição ajuda a manter o culto, esse filme também foi financiado pelos fieis em um crowdfunding (arrecadação virtual). Os assuntos religiosos sempre geram filmes, alguns dramatizados e outros um docudrama como este da Espanha.
Coração Ardente tem o intuito de quebrar o gelo e fazer bater com paixão e fé o coração de quem assiste, para reverberar nos seus relacionamentos. Milagres existem. Basta de guerras no mundo.









































