
UM FILME MENOR PARA UM ÍCONE ETERNO
por Ricardo Corsetti
Quem tem mais de 40 anos e, portanto, de algum modo viveu ou ao menos foi "afetado" pela cultura oitentista de alguma forma, com certeza se lembra do mais célebre personagem criado pelo famoso cartunista Angeli: Bob Cuspe, o arquétipo perfeito do punk brasileiro dos anos 80.

Por isso mesmo, os "tiozões" roqueiros da minha geração devem ter aguardado, assim como eu, com bastante expectativa em relação a esse primeiro longa-metragem dedicado ao célebre personagem. Porém, sinto informa-los que, também assim como eu, devem se decepcionar com o resultado.
O filme dirigido por César Cabral e co-escrito por Leandro Maciel (Dossiê Rê Bordosa, 2008) que, aliás, foi meu professor de roteiro, nos meus tempos de estudante de Cinema, se utiliza de diversas técnicas: animação clássica, stop-motion, linguagem semi-documental, etc; para contar paralelamente o contexto de criação do personagem em conjunto com uma trama ficcional paralela, o que acaba por tornar o resultado um tanto confuso e desigual, sobretudo para quem não conhece previamente o personagem-título, bem como a história (trajetória) do cartunista Angeli.
Outro erro, na minha opinião, foi a opção fácil e óbvia de se colocar uma celebridade presente em nove a cada dez filmes brasileiros contemporâneos, Milhem Cortaz ("A Concepção", 2006) para dublar a voz de Bob Cuspe, pois nesse caso, a figura do ator (celebridade) acaba se sobrepondo aquilo que deveria ser o foco central do filme: o próprio personagem Bob Cuspe.
Por outro lado, a participação do próprio Angeli (em forma de animação), narrando com sua própria voz trechos do filme, ajuda a gerar um mínimo de empatia por uma trama confusa e, na verdade, quase inexistente.

Destaque para as cenas em que Bob Cuspe é atacado por seres mutantes, todos com cara do cantor Elton John. Eis uma boa demonstração do humor deliciosamente politicamente incorreto que sempre caracterizou as histórias e personagens do cartunista paulista. Humor este que, cá entre nós, dificilmente teria espaço na mídia contemporânea, caso não estivéssemos falando de um artista já consagrado há décadas.
Há mesmo poucos momentos verdadeiramente inspirados no filme, que chega a cansar, apesar de sua de duração enxuta, inferior a 90 minutos.
Uma pena mesmo, pois, sem sombra de dúvida, um personagem tão icônico e arquetípico acerca do roqueiro (punk) à brasileira, sinceramente merecia um filme melhor, como por exemplo o curta-metragem de autoria da mesma dupla: Dossiê Rê Bordosa, realizado em 2008.

NUM MUNDO SEM COR, TEMOS UM CORINGA NA MANGA?
por Vicente Vianna
Essa nova geração - chamada de geração “Z” e a anterior “Y” - que já pegou um mundo informatizado e colorido com videogame em 3D tem uma certa repulsa e um olhar de coisa antiga para filmes em P&B (preto e branco). E é justamente essa mesma geração que é entrevistada pelo protagonista - um documentarista, captador de áudio - chamado Johnny, que aborda as crianças com perguntas sobre suas expectativas do futuro. Tudo em P&B. Os depoimentos são reais, costuram a trama que é o relacionamento do tio cinquentão com o sobrinho de 9 anos.

Como acontece em vários filmes do Batman, onde o protagonista é ofuscado pelo coadjuvante, no caso o Coringa, aqui o garoto Woody Norman (Bruno, 2019), que faz o sobrinho Jesse, se sobressai ao protagonista, o tio Johnny (Joaquin Phoenix), que tem uma atuação morna, condizente com seu personagem sem maiores brilhos, já o menino-problema com um pai cheio de transtornos mentais e uma mãe paciente e amorosa, que opta por deixá-lo com o irmão enquanto cuida do marido, dá um show de interpretação.
Mike Miles (Mulheres do Século XX, 1999) é o cineasta independente americano que também roteiriza suas histórias. Aqui, a falta do colorido é para mostrar a melancolia das cidades americanas por onde o documentarista colhe depoimentos das crianças locais e tem em contrapartida as respostas delas com a esperança de um futuro melhor, sem deixar as cores distraírem o relacionamento entre o tio e o sobrinho.

Uma das técnicas de se fazer humor é a repetição, o diretor e roteirista a usa aqui para fazer drama. Ele planta e colhe a mesma coisa duas vezes. O tio se perder do sobrinho, por exemplo, e, não satisfeito, conta tudo que aconteceu ao telefone, no caso para Gaby Hoffann (Quem vê cara não vê coração, 1989) no papel de Viv, a mãe de Jesse, diga-se de passagem muito bem no papel. Se o intuito é a verossimilhança, ele esquece que o tempo no filme é outro totalmente diferente e o público já faz essas elipses necessárias e se emocionam do mesmo jeito. Assim torna-se cansativo e também com muitos apelos, que para mim, soaram forçados. O fato de ser P&B, sou suspeito para falar, pois tenho paixão por fotografia sem cores, e nesse caso acho que enriquece o drama, essa mesma história que me fez sair do cinema com a sensação de que o documentário que o personagem Johnny estava fazendo ia ficar melhor do que o filme que protagonizou.

10 ANOS COM FOME DE CULINÁRIA TRASH
por Vicente Vianna
Os planetas se alinharam de novo. 10 anos depois do último programa Larica Total (número 74 de 3 temporadas 2008 - 2012), eles voltaram em um programa-documentário com 1 hora de duração. Pelo jeito irreverente dessa turma, esperava esse alinhamento 9 ou 11 anos depois,enfim um número ímpar para quebrar essa fórmula certinha, porém, dentro da anarquia também existe ordem. E por mais liberdade e essa semiótica brasileira, com o DNA do Canal Brasil - como disse o diretor-geral do canal André Saddy -, há um roteiro muito bem elaborado e interpretado com maestria pelo ótimo ator Paulo Tiefenthaler (A Noite da Virada, 2014) - o solteirão gourmet safo Paulo de Oliveira.

Até o primeiro nome é o mesmo, como também a locação era o seu apartamento em Santa Teresa. Ficou difícil para ele desassociar um do outro, acabava de gravar e continuava em casa tendo que fazer sua comida. Certo dia, como conta, um dos seus relacionamentos amorosos falou pra ele, em seu quarto, ter a impressão que na cozinha estaria uma equipe de filmagem esperando por eles. A neura era tanta que não tinha mais como continuar e pararam no auge da audiência. Essa e outras histórias hilárias, por exemplo: Como surgiu a ideia do programa, o encontro e a química perfeita entre Caito Mainier (Uma Quase Dupla, 2018), Leandro Ramos (Juntos e Enrolados, 2022) e Felipe Abrahão - diretores e roteiristas - e Paulo Tiefenthaler (ator e roteirista), que dizem nunca ter brigado, fato raro nas amizades.
Eles Realmente criaram um produto onde tudo parece improviso, mas contam que o episódio do pão de queijo foi a terceira versão que foi ao ar, pois seguiam um roteiro, com frases e tudo mais planejados antes, e tinham o cuidado de acertar, porém, para o público dava a impressão que o apresentador do programa é um “youtuber”.

Esse especial está dividido em duas partes. A primeira, um documentário para relembrar como se conheceram, a ideia de mais um programa de culinária, porém com um olhar diferente, o porque de terminar quando estava agradando, o que aconteceu com cada um nesses 10 anos e o planejamento para a volta agora com o intuito de celebrar todo esse sucesso. O retorno ao apartamento, agora alugado por um jovem que trabalha na Petrobrás e permitiu por um modesto cachê fazerem a filmagem na velha cozinha. Segundo Paulo, "depois que a produção tomou conta ele com certeza se arrependeu, poderia ter cobrado mais".
A segunda parte é um episódio intitulado: ”Dedo no cozido e gritaria” onde Paulo Oliveira ensina a fazer um cozido com o que tem na geladeira. A energia está de volta! Como diz Caito: “Parece que voltamos no tempo, nada mudou desde o começo", e "Se vamos fracassar que seja de maneira épica! E de novo fizemos da precariedade um Show!”
O solteirão gourmet está de volta! Para a geração fiel que até apoia em massa o livro de receitas do Larica na plataforma de crowdfunding Catarse (onde bateram a meta em 2 horas), é uma alegria que demorou 10 anos para se realizar, e, para os que não conhecem, sobretudo a molecada, é a chance de se identificarem também, pois todo ser vivo sabe que a fome é universal. Viva a culinária trash!









































