PASSANDO UM TANTO LONGE DO ALVO
por Ricardo Corsetti
Embora seja fato que o Brasil (ou mais especificamente, o cinema brasileiro) sempre teve vocação para o humor, no entanto, ao contrário do que ocorria no tempo das lendárias Chanchadas da década de 50, ou até mesmo em sua "reencarnação" na década de 70, como Pornochanchada; esse humor tipicamente brasileiro acabou perdendo sua eficiência e sobretudo, sua espontaneidade, graças ao padrão, ou melhor, à linguagem televisiva que se estabeleceu como formato padrão no gênero comédia a partir do início dos anos 2000, durante a chamada "retomada" da produção cinematográfica brasileira.
Nesse sentido, De Repente, Miss, infelizmente, não vai muito além de romper com o já desgastado formato de esquete de programa humorístico televisivo presente em 99% das comédias brasileiras realizadas nos últimos 20 anos, pelo menos. E, talvez sejam justamente as amarras impostas por esse formato pseudo-televisivo, que me fizeram achar tão primária a decupagem (escolha de planos e ângulos de filmagem) utilizada pelo estranhamente experiente diretor Hsu Chien (Desapega, 2022).
Só mesmo o carisma de Fabiana Karla (Lucicreide Vai Pro Céu, 2021) consegue, em alguns momentos do filme, torná-lo minimamente agradável e divertido de se ver. Danielle Winitz (Os Farofeiros, 2018), por sua vez, como é usual, parece interpretar a si mesma, ao viver a até que divertida "vilã" da trama.
Pouco inspirado e pouco criativo, De Repente, Miss, em resumo, rende alguns poucos momentos de riso e empatia em relação a sua protagonista. No mais, infelizmente, ficou mesmo apenas na intenção de nos fazer rir.
Atualizado: 30 de abr. de 2024
PARA FICAR POOH DA VIDA
por Antônio de Freitas
Após um ano do lançamento do primeiro filme sobre a versão de terror da fábula do famoso e adorado urso, Ursinho Pooh: Sangue e Mel II (Winnie the Pooh: Blood and Honey II, 2024) chega às telas tupiniquins prometendo mais sangue do que seu antecessor e revelando a decadência da onda do retorno dos "Slashers Movies”. Como em diversos aspectos da política e cultura que repetem eventos do século XX, esta moda cumpre a mesma trajetória da primeira onda que nasceu no final da década de 70 e sua queda quando os “bons” exemplares do gênero começaram a dividir espaço com “filmecos” oportunistas com histórias que serviam apenas como justificativa para exibirem cenas de assassinatos bizarros.
Em 2016 foi exibido nos cinemas o descerebrado Aterrorizante (Damien Leone, 2016) fazendo um sucesso respeitável com suas cenas de violência explícita usando toneladas de sangue e tripas com um fiozinho de roteiro que só existia para oferecerem um espetáculo para lá de sanguinolento. E fez dinheiro suficiente para bancarem uma continuação em 2022, que apenas repetiu a fórmula de gosto duvidoso do original.
Em 2023 lançaram Ursinho Pooh: Sangue e Mel (Winnie the Pooh: Blood and Honey, 2023) que seguia uma fórmula já explorada, que é a de dar pinceladas de terror em fábulas infantis. Mas usava as mesmas artimanhas do filme do pierrô branquelo, enchendo a tela com o maior número de mortes violentas que coubessem em um roteiro mixuruca. E, neste caso, a continuação demorou apenas um ano para ser feita e vem com um orçamento mais alto que está bem evidente na melhoria das imagens, efeitos especiais e valores de produção. Mas, infelizmente, com as mesmas “qualidades” do primeiro filme.
É uma direta continuação do original e nos apresenta o protagonista Cris Robbin (Scott Chambers) vivendo com os traumas da carnificina anterior e suportando a desconfiança dos moradores da cidade onde mora, que acham que ele teve alguma coisa a ver com aquele banho de sangue. Enquanto isso, os vilões do filme (as versões monstruosas dos famosos personagens) são apresentados em seu covil tramando para acabar com a cidade inteira em cena irritantemente explicativa.
E são vistos de forma bem explícita, que nos permite perceber a melhora dos efeitos de maquiagem nesta produção. Se no anterior pareciam apenas homens vestindo máscaras de borracha, nesta são homens vestindo máscaras que tentam parecer que são a pele real das criaturas, chegando a convencer no escuro. Mas o efeito se vai quando se nota que o Ursinho Monstro é um homem alto e magro (no primeiro, ao menos, parecia gordinho como um urso) com uma ridícula barriga falsa que fica mudando de lugar durante o filme. Em momentos parece uma barriga estufada de uma grávida e, em outros, uma pança caída de senhor cervejeiro ou peito estufado.
Após a apresentação via desenhos com uma narração e as breves cenas dos personagens principais começa a montanha russa lotada de mortes bizarras. Um desenrolar de cenas com erros terríveis de continuidade, onde pessoas estão em uma cena com o rosto limpo para depois aparecerem banhadas em sangue segundos depois; o protagonista está em uma boate no centro da cidade e, em segundos, está no meio do mato; objetos aparecem sem nenhuma explicação só para atender as necessidades do roteiro.
Apesar de aparentar ter muito mais dinheiro, o roteiro é capenga, com personagens estereotipados e mal apresentados que surgem do nada para serem assassinados minutos depois ou para discursarem explicando a história.
O protagonista é vivido por um ator completamente inexpressivo, que desfila no filme inteiro com uma cara de ressaca de calmantes. Sua trajetória é daquele manjado personagem que precisa provar sua inocência enquanto tenta avisar sobre a ameaça pairando sobre a cidade, onde todo mundo age como idiota saindo para passear numa floresta, apesar da notícia sobre os assassinatos cometidos ali.
Nota-se uma fotografia trabalhada, uma trilha sonora eficiente e alguns enquadramentos bons, mas temos uma enxurrada de clichês em uma história tosca com um mistério forçado, que leva à uma explicação cuja função é dar uma certa unidade ao conjunto de filmes que vão passar de apenas dois, pois deixam bem claro que vai ter uma continuação.
É uma repetição de todas as fórmulas banais de filme de terror barato que deram ao filme a maioria dos prêmios de pior do ano na entrega do Framboesa de Ouro de 2024. E nos dão o motivo para ninguém se dar ao trabalho de ir ao cinema e pagar caro pelo ingresso e pipoca. Melhor esperar para quando estiver em algum streaming e ver só quando não tiver nada para fazer. Se for ao cinema, você vai ficar POOHHH DA VIDA!!!!
RETRATOS DA IRRACIONALIDADE HUMANA
por Ricardo Corsetti
Em primeiro lugar, é simplesmente impossível não destacar as qualidades técnicas do filme: linda fotografia (aliás, o conceito de "fotografia", é fundamental para o desenvolvimento da trama), ótima direção a cargo do talentoso diretor britânico Alex Garland (Aniquilação, 2018), além, é claro, do competente e carismático elenco.
Outra coisa que chama a atenção em Guerra Civil é o inglês, praticamente perfeito, falado por Wagner Moura (Cidade Baixa, 2002) ao encarnar, pasmem, um norte-americano nato no filme.
Sem qualquer resquício de sotaque identificável, o astro brasileiro encarna - com perfeição - um "cidadão da Flórida", esbanjando talento e muito carisma a cada segundo em que aparece em cena. E um detalhe importantíssimo: seu personagem realmente tem papel fundamental na trama, em pé de igualdade com a fotógrafa vivida pela estrela hollywoodiana Kirsten Dunst (Maria Antonieta, 2006) e, de certo modo, até como a real protagonista do filme, vivida pela atual "namoradinha da América" Cailee Spaeny (Priscilla, 2023). É, Mr. Moura, seu momento de conquistar o mundo realmente chegou.
Talvez o único senão de Guerra Civil seja a não clareza quanto aos seus reais objetivos ao retratar essa tal guerra civil fictícia. Pois, ao ver anteriormente o trailer do filme, por exemplo, fiquei com a impressão de se tratar de um filme "trumpista". Após assisti-lo de fato, no entanto, em alguns momentos Garland (também roteirista do filme) parece estar criticando e até satirizando o extremismo político gerado pelo excesso de "americanismo patriótico" que, sobretudo nos últimos anos, se acirrou nos EUA gerando, consequentemente, racismo e xenofobia, coisas que, aliás, são retratadas por meio de algumas situações e personagens secundários do filme.
Enfim, creio que, antes de tudo, Guerra Civil deve ser visto como um ótimo filme de entretenimento que, não por acaso, chega a emular o ritmo de determinados jogos eletrônicos de guerra, talvez até para ironizar a banalidade com que vemos diariamente e nos tornamos até, quase que indiferentes, a cenas de guerras reais que, neste exato momento, estão em andamento mundo afora.
Ah, o desenho de som de Guerra Civil também é um show à parte. Além, é claro, da já citada fotografia lindíssima.
Por fim, vale mencionar que a linda e talentosa Cailee Spaeny só não rouba toda a atenção do espectador para si própria, graças a presença do novo "latin lover" do cinema norte-americano: Wagner Moura (risos).



















































