
UM VERDADEIRO FILME DE TERROR
por Antônio de Freitas
Abraço de Mãe pode parecer um filme brasileiro, mas não é exatamente isso. Trata-se de uma coprodução entre Brasil e Argentina dirigida pelo argentino Cristian Ponce (A Frequência Kirlian, 2017-2021) e estrelado pela brasileira Marjorie Estiano (Sob Pressão, 2017-2022). Ela interpreta Ana, uma integrante do corpo de bombeiros do Rio de Janeiro que carrega consigo um trauma de infância envolvendo sua mãe e está de volta ao trabalho depois de uma crise que a impediu de realizar sua função em um incêndio. Após passar por uma avaliação, ela vai atender uma denúncia de possibilidade de desabamento de um grande e antigo casarão no momento em que inicia uma dessas fortíssimas e perigosas tempestades de verão em 1996.

Junto com seus colegas de farda, ela entra no casarão imenso e descobre ser ali uma espécie de clínica de repouso para anciãos em péssimas condições. Diante da possibilidade de uma tempestade monstruosa que pode provocar desabamentos e enchentes, resolvem organizar uma evacuação imediata das pessoas sem saber que, dentro daquele casarão, existe uma ameaça muito maior do que a chuva torrencial que está rugindo lá fora. Quando os bombeiros passam pela porta da mansão decadente, entram em um universo que pode ser definido com um misto do Horror Cósmico de H. P. Lovecraft e Suspense Psicológico “Hitchcockiano”. E vai ser quase impossível sair vivo dali.
Marjorie Estiano interpreta essa bombeira com uma garra de atriz veterana e, cada vez mais, vai ganhando destaque e se transformando em um dos nomes de peso do cinema brasileiro. Ali ela vai acabar enfrentando seu trauma, uma situação clichê muito usada no cinema “Hollywoodiano” que ganha uma personalidade própria com sua performance poderosa e a condução segura do diretor. Este consegue mostrar que os argentinos tem muito a ensinar aos brasileiros sobre a difícil arte de lidar com certos gêneros que não fazem parte do universo de linguagem realista e naturalista que nossos diretores insistem em usar sempre.

Mesmo em histórias que pedem uma visão mais estilizada e não viciada em copiar e não interpretar o mundo real, o mundo do terror é sombrio e cheio de cantos escuros onde habitam criaturas nascidas do inconsciente dos personagens ou vindas de outro universo. E, no Brasil, o clima pode ser tropical e ensolarado, mas longos e escuros são os corredores da casa grande. E a mansão decadente mostrada aqui é exatamente assim.
Este filme tem seus tropeços, erros da Direção de Arte - com alguns objetos ou instalações que não existiam na época -, reações mal pensadas no roteiro que não se aprofundam muito no terceiro ato, criando situações inverossímeis. Mas, com uma construção de clima extremamente bem feita através de uma Direção de Fotografia de altíssimo nível, locações de visual tétrico, cenografia impactante e atores bem escolhidos, o diretor consegue entregar um filme com personalidade e clima claustrofóbico que funciona muito bem, além de demonstrar que podemos fazer filmes de terror eficientes com todas as características do gênero.

MUITA TÉCNICA E POUCO ROTEIRO
por Ricardo Corsetti
A violência gratuita presente no filme que deu origem a essa nova provável franquia, aqui alcança seu ápice. Pena que tenhamos estética demais e roteiro (desenvolvimento de trama) de menos.

A sangria, que chega, por vezes, a lembrar os filmes Gore italianos, dos anos 80: Terror nas Trevas (Lucio Fulci, 1981), Buio Omega (Joe D'amato, 1979), etc.
O diretor Parker Finn (Sorria, 2022) se mostra habilidoso para conduzir perseguições vertiginosas no trânsito e cenas de tiroteio, envolvendo sangue, mas muito sangue. Pena, no entanto, que o desenvolvimento da trama seja um tanto confuso.
A duração de 2 horas e 12 minutos, a propósito, se mostra desnecessária e, fatalmente, conduz a algumas "barrigas" de roteiro, totalmente desnecessárias.

Tecnicamente bem realizado e com efeitos de maquiagem que, com certeza, agradarão um típico fã de terror (sobretudo dos subgêneros Slasher e Gore), mas a falta de substância - em termos de história propriamente dita - acabam comprometendo bastante o resultado final.
DESFILE DE INSTITUIÇÕES FRATURADAS
por Antonio de Freitas
A primeira cena de O Mensageiro é de um soldado que conduz - através de dicas de pulos - uma prisioneira encapuzada e com uma perna machucada enquanto sobem uma escada. Quando chegam ao fim da mesma, o soldado dá um comando propositalmente errado e a moça cai no chão. O capuz cai e o rosto irado de uma bela moça de pouco mais que 20 anos aparece. Ela expõe sua raiva diante da maldade exercida pelo soldado que não perdeu uma chance para tornar sua prisão a mais miserável possível.
O jovem soldado parece sentir o golpe, mas não responde. Assim, Lucia Murat (Ana. Sem Título, 2020) apresenta seus personagens principais de um filme que, assim como boa parte de sua obra, é inspirado nos anos de linha dura do governo no final da década de 60 quando pessoas, inclusive ela, eram aprisionadas e torturadas em quase todo o Brasil.
O jovem soldado Armando é interpretado por Shico Menegat (Tinta Bruta, 2018) e a prisioneira Vera é vivida por Valentina Verszage (Raquel 1:1, 2022). Constituem o núcleo dramático da prisão onde o soldado começa a questionar a doutrinação imposta pelo sistema ao ver o sofrimento da prisioneira. Do lado de fora estão os pais de Vera, um casal em crise que faz de tudo para encontrar e libertar sua filha. Floriano Peixoto (Todas as Mulheres do Mundo, 2020) é o pai Henrique, um médico racional disposto a mandar a vida para a frente e aguentar a ditadura. Georgette Fadel (Série Aruanas, 2021) é a mãe Maria, uma dona de casa típica e muito religiosa que acorda do marasmo da vida quando descobre que a filha foi presa e começa a pensar por si mesma. A transformação dela vai levar a um atrito entre os dois.
A proposta de trabalhar com esses núcleos representantes de instituições da sociedade é ainda mais reforçada com os dois padres que representam dois comportamentos opostos da igreja. Um é um padre argentino progressista que não se cala perante o que está acontecendo e o outro é o capelão do forte onde estão instalados os militares que chega a corroborar com a ideologia do regime militar. Ambos são procurados por integrantes dos outros núcleos dramáticos formando uma cadeia de eventos onde os questionamentos e choque de ideias de um influencia no outro.

No conjunto, o filme lida com a fratura de instituições como a família, governo autoritário e igreja que se estremecem em um momento histórico repleto de choques de doutrinas e muita violência. Uma ideia muito forte que poderia até gerar um grande filme ou série porque pode ter inúmeras ramificações e possibilidades de desenvolvimento. Mas esse filme tem momentos confusos e mal escritos que rendem cenas que não levam a lugar nenhum e que poderiam ser tiradas na montagem final.
Há personagem que simplesmente desaparece e momentos em que personagens se despedem dizendo que nunca mais vão se ver para depois aparecerem conversando normalmente como se nada tivesse acontecido.
As atuações do elenco são bem questionáveis, apresentando diálogos duros e até expositivos demais com exceção de Floriano Peixoto e Georgette Fadel, que sempre entregam belas interpretações.
O questionamento e exposição da fragilidade de todas as instituições da nossa sociedade é extremamente importante para um país como o nosso, apesar de ter um desenvolvimento um tanto irregular.












































