O PODER DO MITO
por Ricardo Corsetti
Como diria um amigo meu, realmente parece que a moda dos "filmes institucionais" no cinema mundial contemporâneo realmente não tem fim (risos). Afinal, é mesmo impressionante a quantidade de filmes sobre empresas, marcas e "empreendedores" renomados realizada entre 2022 e 2023: BlackBerry (Matthew Johnson, 2023), Air - A História Por Trás do Logo (Ben Affleck, 2023 - sobre a Nike), etc.
No caso específico de Ferrari, ao menos ter o experiente e talentoso Michael Mann (Fogo Contra Fogo, 1995) como produtor e diretor representa um grande diferencial em relação à enxurrada de filmes semelhantes recentemente lançados pois, ao menos aqui, temos a certeza de um trabalho de direção, praticamente impecável, com ritmo narrativo adequado e cenas de ação vertiginosas, de tirarem o fôlego.
Quanto ao elenco selecionado, embora eu confesse ter desenvolvido uma certa antipatia por Adam Driver (O Homem que Matou Dom Quixote, 2018), por ele ter, nos últimos anos, se tornado uma espécie de "Selton Mello do cinema norte-americano" - no sentido de estar presente e quase sempre estrelando nove entre cada dez filmes recentemente lançados - é inegável que está muito bem na pele do "italianíssimo" protagonista. Penélope Cruz (Para Roma com amor, 2012), por sua vez, apresenta um desempenho pouco além do mediano como a durona esposa do ex-piloto/empresário, pois acho um tanto genérico seu tom de atuação.
Ótimo trabalho de reconstituição de época (final da década de 50 e início de 60), ótima direção (conforme já mencionei), competente direção de arte, em termos de cenografia e figurinos.
Ah, destaque também para o ator brasileiro Gabriel Leone (Eduardo e Mônica, 2020), vivendo um personagem de peso na trama e não apenas fazendo uma ponta, conforme costuma - quase sempre - acontecer com brasileiros que se aventuram a participar de mega produções hollywoodianas.
Não me convence muito, porém, a tentativa de "humanização" da egoica figura do todo poderoso Enzo Ferrari. Afinal, em todo e qualquer lugar do mundo e em qualquer período, a história do grande capital foi sempre construída e sustentada, por dois ingredientes básicos: combustível e sangue, em doses equivalentes.
De qualquer forma, um filme dirigido por Michael Mann é sempre digno de nota e imprescindível de ser visto.
A BANALIDADE DO MAL
por Ricardo Corsetti
Eu, sinceramente, confesso estar cansado de ver filmes sobre Nazismo, holocausto, etc. Pois, após Hollywood já ter produzido zilhões de filmes com essa temática que, aliás, costumam corresponder a uma espécie de "fórmula para vencer o Oscar", é realmente difícil encontrar alguém ainda capaz de oferecer uma visão minimamente original a respeito do tema.
Por isso mesmo, foi com agradável surpresa que assisti, há poucos dias, Zona de Interesse. Um filme realizado a partir de muitas sutilezas. Fugindo totalmente ao óbvio que seria, por exemplo, mostrar o sofrimento vivido pelos judeus em Auschwitz; o filme - dirigido pelo britânico Jonathan Glazer (Reencarnação, 2004) - opta, acertadamente, por mostrar o cotidiano da família de um alto oficial nazista e de sua família que vivem, pasmem, exatamente ao lado do referido e famoso Campo de Concentração.
Inteiramente rodado em alemão (apesar de se tratar de uma co-produção entre diversos países), Zona de Interesse retrata, portanto, o que acontece do outro lado do muro, ou seja: a família do referido oficial nazista preocupada em saber o que terá como prato principal para o almoço de hoje, enquanto as crianças brincam, despreocupadamente, no jardim da casa.
Fica claro, portanto, o objetivo de Glazer em nos apresentar, como diria a filósofa alemã Hannah Arendt (1906-1975), a "banalidade do mal". Afinal, vemos um pai de família amoroso, marido dedicado e amante dos animais que, por outro lado, é também aquele que autoriza e ordena a morte diária de centenas de pessoas - do outro lado do muro - sem pestanejar ou refletir um só minuto quanto à gravidade de suas decisões.
É genial, inclusive, a forma como ouvimos ao longo do filme, de forma abafada e em segundo plano, os gritos dos judeus do outro lado do muro, enquanto a família do oficial vive, despreocupadamente, seu cotidiano de interesses pessoais.
Destaque para a atriz alemã Sandra Huller, simplesmente a atriz do ano, visto que está presente em dois filmes concorrentes ao Oscar 2024 e, por Anatomia de uma Queda (Justine Triet, 2023) concorre ao prêmio de melhor atriz.
Zona de Interesse é um filme de sutilezas e com leitura verdadeiramente original acerca do batido tema: Nazismo/Holocausto que estreia hoje nos cinemas brasileiros, com distribuição da Diamond Filmes e, sem dúvida, merece uma boa conferida!
Atualizado: 28 de jan. de 2024
O PARAÍSO É A TAMPA DE UMA CAIXA DE BOMBOM
por Antônio de Freitas
Nosso Lar: Os Mensageiros, faz parte de um acontecimento no cinema brasileiro que pode ser interpretado de duas maneiras. Primeiro como notícia boa, pois a existência de continuações demonstra que filmes brasileiros fizeram sucesso suficiente para justificar o lançamento de uma segunda história envolvendo a mesma ideia. Segundo como notícia ruim; pois, como acontece no cinema americano, continuações demonstram falta de criatividade que leva a reaproveitar as ideias que deram certo em um ciclo que parece estar dando sinais de esgotamento.
Nesse caso temos a continuação da saga dos personagens do livro do nosso mais famoso Médium Chico Xavier (1910-2002) onde é apresentada a ideia de que existe uma cidade que paira entre a Terra dos Homens e a dos Espíritos, cujos habitantes têm a função de zelar pelos vivos e orientar os espíritos daqueles que morreram para que encontrem a paz e se desenvolvam para reencarnarem. Estes foram apresentados no primeiro filme de 2010 (uma superprodução, para os padrões brasileiros, que deu muito certo) e agora ganham uma nova tarefa: um grupo de 5 espíritos de luz precisa descer à Terra para resgatar o espírito de um poderoso médium que, após morrer, se perdeu na escuridão dominado pelo egoísmo e ganância.
A direção de Wagner de Assis (Nosso Lar, 2010) consegue manter a mesma atmosfera "New Age" do primeiro filme, mas continua com os mesmos erros. A missão de divulgar a ideologia espírita se sobrepõe à necessidade de contar uma história. Os diálogos são muito empostados na maior parte do tempo e ficam explicando demais o que estão fazendo, apesar da onipresença de um narrador. O chefe da turma é Aniceto, interpretado pelo sempre carismático Edson Celulari (Meu Cunhado é um Vampiro, 2023) que está com uma caracterização que lembra Marlon Brando (1924-2004) no filme Super Homem (Richard Donner, 1978) dos anos 70 e junto está o mais do que talentoso Fábio Lago (Cidade Invisível, 2023). Mas essa dupla de ótimos atores não consegue consertar as cenas onde a atuação dura de atores secundários e figurantes acaba estragando.
O roteiro é confuso com muitas tramas paralelas e um vai e vem no tempo. Acaba parecendo um aproveitamento da ideia da saga dos personagens de Guerra nas Estrelas (George Lucas, 1978) com um homem dotado de poderes que, apesar de ter sido orientado por um mestre do bem, se debanda para o lado negro enquanto outro segue o caminho oposto. Pode ser que sejam detalhes dos livros de Chico Xavier que foram escritos muito tempo antes, mas vão acabar sendo associados à tão famosa franquia. E as referências gringas não param por aí. A direção de arte extrapola o visual do primeiro filme para chegar a um “look” de comercial de amaciante para bebês para a cidade dos espíritos do bem. Obviamente inspirado no filme Amor Além da Vida (Vincent Ward, 1998) que, por sua vez, se inspirou no visual dos quadros de Caspar David Friederich (1774-1840), um pintor do romantismo que é extremamente importante como referência dos filmes europeus e americanos. O resultado, junto com o exibicionismo de efeitos visuais (que peca pelo excesso de pirotecnia), beira o kitsch e quebra - sem necessidades aparentes - o padrão do filme anterior.
Os motivos são muito nobres e a história/mensagem é muito edificante. Vale à pena por isso, apesar dos exageros, excesso de diálogos explicativos, música melosa, visual importado e cenas com atuações pouco naturais. Depois de assistir esse filme podemos concluir que o cinema brasileiro consegue também realizar uma produção grandiosa, mas precisamos achar, ao menos, uma linguagem visual que tenha mais ligações com nossa cultura e não ficar copiando a arte dos gringos que já nos impuseram um Jesus Cristo de olhos azuis.





















































